Vencedor Menino negro e pobre tornou-se doutor quando afrodescendentes não entravam o ensino superior

Por: Jailson da Paz

Publicado em: 17/11/2015 07:21 Atualizado em: 17/11/2015 07:24

O doutor Edilson Fernandes cuja dedicação ao ensino o faz orientar dissertações e teses de outros departamentos. Foto: Paulo Paiva/ DP/ DA Press
O doutor Edilson Fernandes cuja dedicação ao ensino o faz orientar dissertações e teses de outros departamentos. Foto: Paulo Paiva/ DP/ DA Press
O percurso de Edilson Fernandes, 50 anos, até se tornar um doutor teve apoio importante. Os pais sempre estiveram por perto. A mãe, uma dona de casa, e o pai, um portuário envolvido com a questão sindical, deram confiança e liberdade. E o menino de Jardim São Paulo, no Recife, passou a compreender melhor o mundo. O lugar que morava não era por acaso. A vida que levava, mudando frequentemente de endereço, não era causa e sim consequência.

Com a bagagem dada pelos pais, Edilson foi assumindo o comando da própria história. “O exemplo de vida dos meus pais ajudou na autoestima”, resume. A confiança dos pais levou o garoto a cuidar das próprias matrículas escolares e a pegar, quando preciso, dois ônibus para chegar à escola. Isso porque, na época, a família mudou-se de Prazeres, em Jaboatão dos Guararapes, para o Alto Santa Terezinha, no Recife, sem conseguir a transferência do menino.

Edilson andava bastante, indo para a escola ou levando a marmita do pai. Nem adolescente era, quando, para entregar a marmita, atravessava de barco as águas entre o Marco Zero e os arrecifes, no Bairro do Recife. Foi através do pai, Rinaldo Fernandes de Souza, que Edilson disse ter ouvido uma das palavras mais marcantes na sua trajetória de identificação como negro: atabaque. “Vi um músico na TV com o instrumento e perguntei a meu pai o que era aquilo”, recorda.

A consciência negra veio na juventude, período em que Edilson ingressou em um grupo de dança. A experiência o levou ao Rio de Janeiro, onde se estabeleceu nos anos 1980 e ingressou como aluno do ensino superior. Era um período em que o acesso do negro às universidades nem estatística tinha. Antonio Sérgio Alfredo Guimarães, pesquisador da Universidade de São Paulo (USP), afirma que nenhuma universidade dispunha no ano 2000 de registros sobre a identidade racial ou de cor de seus alunos. “Só quando a demanda por ações afirmativas para a educação superior fez-se sentir é que surgiram as primeiras iniciativas”, diz.

Desde então, estatísticas começaram a ser elaboradas. Nem todas as universidades fizeram. A Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), onde Edilson Fernandes é professor do Departamento de Educação Física, não analisa os dados referentes a cotas raciais dos alunos. As cotas, segundo ele, contribuem para se reparar injustiças históricas. “A educação leva o negro à descoberta de que pode saber algo e à compreensão do seu entorno. E à resistência”, disse Edilson, cuja dedicação ao ensino o faz orientar dissertações e teses de outros departamentos.


A busca pelo reconhecimento ainda tardio


Negado por séculos, o acesso do negro à escola vem sendo conquistado aos poucos. Acesso entendido como o direito a frequentar a estudar e a ter história reconhecida pelo próprio sistema de ensino. O reconhecimento, ao menos oficialmente, se deu neste século. Na prática, o caminho do reconhecimento é longo. “Há muito por ser feito”, avalia Fátima Oliveira, coordenadora do Grupo de Trabalho de Igualdade Racial na Educação, (GT Erê) da Prefeitura do Recife.

A experiência no Recife pelo reconhecimento começou em 2004. Na época, com a institucionalização do GT Erê, voltada para a formação de professores. Cerca de 800 profissionais da rede municipal e 50 da rede conveniada participaram neste ano das oficinas de formação promovidas pelo grupo de trabalho. É através dos professores, explica Fátima, que se busca inicialmente romper com os preconceitos relacionados ao negro, desde a questão da cor da pele à religião.

Os professores da Escola Nadir Colaço, na Macaxeira, colocaram a temática do negro na rotina. O auge acontece com o Dia da Consciência Negra. “No começo, percebermos nas aulas um desconforto de muitos alunos quando tratamos do assunto, especialmente sobre as religiões afro-brasileiras, que são demonizadas na sociedade”, revela a professora de Ensino Religioso, Raquel Muniz. À medida que as explicações avançam, completa, os alunos descobrem que não se trata de concordar com a religião do outro, mas de respeitá-la.

É para o respeito que o aluno do 9º ano, Alex Silva da Mota, 15 anos, afirma ter despertado. “A gente aprende a ver o valor do outro diferente, a ver com tolerância”, afirmou. Alex foi um dos alunos que participou ontem da oficina coordenada por Fátima Oliveira na Nadir Colaço. Ao fim, depois de pensar sobre o assunto, Alex não pensou muita para se declarar “negro”.



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