Sustentabilidade Agricultura busca sintonia com peculiaridades climáticas das regiões Produção em larga escala das grandes empresas agrícolas é a raiz da maior parte do consumo de água no estado. Desafio é reduzir custos, manter eficiência e driblar escassez

Publicado em: 29/04/2015 15:51 Atualizado em: 29/04/2015 17:00

Coordenador da ONG Centro Sabiá, Alexandre Pires, diz que existem 270 mil núcleos de agricultura familiar no estado, o que gera a necessidade de se pensar em políticas públicas para o setor. Foto Paulo Paiva/ DP/ D.A.Press
Coordenador da ONG Centro Sabiá, Alexandre Pires, diz que existem 270 mil núcleos de agricultura familiar no estado, o que gera a necessidade de se pensar em políticas públicas para o setor. Foto Paulo Paiva/ DP/ D.A.Press
 

Nos 98 mil quilômetros quadrados do território pernambucano cabem muitos cenários para a agricultura, setor que responde por cerca de 70% do consumo de água, segundo a Organização das Nações Unidas (ONU) e o governo brasileiro. O segundo estado que menos utiliza o recurso no país tem uma vasta área de escassez no Agreste e no Sertão, em contraste com as fontes abundantes da Zona da Mata e as modernas plantações para exportação do Vale do São Francisco. Realidades distintas que acabam se encontrando em uma preocupação comum: o ganho de eficiência no uso da água, seja para reduzir os custos de produção ou para garantir que os poucos litros disponíveis deem conta do sustento familiar.

Principal referência econômica do semiárido, a fruticultura do Vale do São Francisco é um segmento fortemente marcado por investimentos em irrigação localizada. As técnicas de gotejamento e microaspersão levam a água diretamente até a plantação e, assim, reduzem o desperdício. Segundo empresários do ramo, o custo para implantar um desses sistemas fica entre R$ 5 mil e R$ 6 mil por hectare. “A escolha entre um ou outro depende de alguns fatores. Eu não posso usar a microaspersão em certas culturas, para não molhar a parte aérea da planta. Há também a questão da qualidade da água, em que o gotejamento pode causar entupimento da mangueira”, exemplifica Jânio Pereira, funcionário da empresa especializada em irrigação Asbranor.
O empresário José Gualberto, presidente da ValExport, entidade que reúne exportadores da região, implantou os dois sistemas em sua vinícola, em Santa Maria da Boa Vista, no Sertão. “Isso foi há mais de 30 anos. A eficiência no gotejamento é de 95%, enquanto na irrigação por sulcos chega a ser de 40%. Então, o custo de produção é muito mais baixo e você ainda tem a possibilidade de trabalhar 24 horas por dia, e não apenas quando há sol”, diz. Já Flávio Muranaka, há 17 anos, investiu apenas na microaspersão, devido às características próprias da sua fazenda de manga, em Petrolina.

Na Zona da mata, famílias trabalham na produção de mudas e reflorestamento das áreas de nascente e matas ciliares, esperando um retorno para daqui a 20 anos. Foto:Acervo Centro Sabiá
Na Zona da mata, famílias trabalham na produção de mudas e reflorestamento das áreas de nascente e matas ciliares, esperando um retorno para daqui a 20 anos. Foto:Acervo Centro Sabiá

O coordenador do Centro Sabiá (organização não-governamental pernambucana), Alexandre Pires, ressalta que a produção em larga escala das grandes empresas agrícolas é a raiz da maior parte do consumo de água no estado. “Temos 270 mil estabelecimentos de agricultura familiar e 80% do nosso território estão no semiárido. Isso gera a necessidade de se pensar em política pública para esse segmento”, afirma. Segundo ele, entidades do ramo têm focado na ideia de manutenção dos pequenos agricultores baseada nas peculiaridades das suas regiões. “O propósito é tentar conviver com os limites naturais. Num terreno de 15 hectares onde falta água, não se pode querer produzir mamão, por exemplo. Então, é preciso pensar no período de chuvas e em culturas adequadas à disponibilidade hídrica”, explica. Nas áreas mais secas, Pires aponta a viabilidade de produtos como milho, feijão, fava e sorgo.
Reflorestamento e armazenamento
Já na Zona da Mata, região com abundância de água, essas organizações buscam recuperar e preservar os mananciais hídricos. “Temos feito um trabalho de produção de mudas com as famílias e de reflorestamento das áreas de nascente e matas ciliares, esperando um retorno para daqui a 20 anos. Existe muita água, mas vários estudos já mostraram que ela vem perdendo qualidade”, declara Pires, salientando a contaminação do solo e dos lençóis freáticos.

O programa Uma terra e duas Águas, desenvolvido pela ASA e o governo federal prevê a instalação de cisternas de até 52 mil litros, dispositivos de captação e distribuição de água e outras benfeitorias. Foto: Acervo Centro Sabiá
O programa Uma terra e duas Águas, desenvolvido pela ASA e o governo federal prevê a instalação de cisternas de até 52 mil litros, dispositivos de captação e distribuição de água e outras benfeitorias. Foto: Acervo Centro Sabiá
 

Além da recuperação ambiental e da “educação contextualizada”, como é chamada a orientação para o aproveitamento dos recursos disponíveis, as entidades têm planos de melhoria do armazenamento de água e da irrigação nas propriedades familiares. O programa Uma terra e duas Águas, desenvolvido pela Associação Semiárido Brasileiro (ASA) e o governo federal, por exemplo, prevê a instalação de cisternas de até 52 mil litros, dispositivos de captação e distribuição de água e outras benfeitorias. “A gente sai do terreno já deixando todo o sistema com caráter produtivo pronto, com irrigação por gotejamento”, comenta Pires. A meta do projeto, iniciado em 2009, é atender a 1,2 milhão de famílias. Até agora, 10% foram beneficiadas. O custo máximo por sistema implantado é de aproximadamente R$ 6,8 mil.
Essas construções e orientações somam-se a soluções já utilizadas historicamente pelos pequenos agricultores. São pequenos sistemas de armazenamento e irrigação, muitas vezes criados de improviso, devido à necessidade de aproveitar bem a pouca água disponível. “Existem muitas famílias que desenvolvem o gotejamento com garrafas PET. Outra estratégia é encher a garrafa e colocá-la com a tampa colada no solo, que vai puxar a água por um tempo. São coisas que as pessoas vão criando, pela necessidade e pela falta de dinheiro”, explica o coordenador do Centro Sabiá. Dentre as muitas saídas encontradas, ele destaca a de “Seu Niva”, em Cumaru, no Agreste do estado.
“Seu Niva”, como é conhecido o agricultor José Pereira da Silva, ligou a caixa d' água a um cano com alguns furos e criou uma rede de irrigação controlada para sua pequena plantação. O sistema, segundo ele mesmo, funciona muito bem. Ou funcionava. É que, há cerca de um ano, ele precisou interromper sua produção agrícola. “Parei porque não tinha mais água. Agora, para sobreviver, fico fazendo cisterna no programa do governo. Às vezes, passo um mês parado, mas sempre aparece alguma para construir”, conta. A renda com a nova atividade é até melhor, mas, para ele, não paga o preço da satisfação de trabalhar com o que se gosta. “Estou nisso para me manter. Mas, com certeza, preferia a agricultura. Eu plantava, colhia, vendia na feira. Nasci e me criei cultivando milho, feijão...”, lamenta o homem de 53 anos, que classifica a seca atual como a pior que já viveu.




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