Opinião

Maurício Rands: Amar o Recife, de onde estivermos

Maurício Rands é advogado, PhD pela Universidade Oxford, Secretário de Acesso a Direitos da OEA

Publicado em: 12/03/2018 07:11

Diante de inovações científicas ou culturais, ou de boas práticas, vem sempre o desejo de que fossem trasladadas à nossa velha Veneza Pernambucana. Foto: Paulo Paiva/DP (Foto: Paulo Paiva/DP)
Diante de inovações científicas ou culturais, ou de boas práticas, vem sempre o desejo de que fossem trasladadas à nossa velha Veneza Pernambucana. Foto: Paulo Paiva/DP (Foto: Paulo Paiva/DP)


Hoje é aniversário do Recife e de Olinda. A primogênita é de 1535. O meu berço é de 1537. Ambas estão em qualquer lista das mais antigas das Américas. As fundadas pelos colonizadores, diga-se. Porque, antes, os povos originários já haviam erguido algumas grandes cidades como Teotihuacán, capital do império Azteca, hoje Cidade do México, que em 500 AC já tinha 250 mil habitantes. Ou como Cuzco, que foi capital do Império Inca e já existia desde o Século XII. Na lista das criadas pelos europeus, Recife e Olinda estão ao lado de Santo Domingo (1496), Baracoa, Cuba (1511), Itamaracá (1516), São Vicente (1532), Igarassu (1535), Vila Velha (1535), e Antigua de Guatemala (1543), entre outras. E antiguidade nunca deixou de ser posto.

Sempre que saio do Recife já vou com a certeza da volta. Nasci na maternidade Santa Rita, onde depois foi o hospital psiquiátrico Luís Inácio de Andrade Lima. Quase um presságio das loucuras que me acometeriam com o passar dos anos. Entre elas, a de amar incondicionalmente o meu Recife. Um laço que me prende por onde ando. Que, filho de cearense e de carioca, tenho dentro de mim um impulso pelo vagar por este vasto mundo. Que já me fez viver em muitas cidades, algumas fascinantes como Natal, Rio, Bari, Oxford, Amsterdam e Washington. Mas nenhuma capaz de me arrebatar como a Cidade Maurícia. Por isso, e Patrícia nisso parece ser igual, caminho por outras plagas sempre com um olhar que esquadrinha praças, ruas, becos e paisagens a partir da viseira recifense. Diante de soluções urbanísticas que nos atraem, logo imaginamos como isso seria em nossa cidade. Diante de inovações científicas ou culturais, ou de boas práticas, vem sempre o desejo de que fossem trasladadas à nossa velha Veneza Pernambucana.

Amar o Recife leva a conhecer sua história marcada por lutas libertárias. Seus esplendores, mas também suas desventuras. Entender o jeito rebelde do recifense. Isso só aumenta nossa ligação. Tudo isso nos traz saudades do seu  passado, presente ou futuro. Mesmo daquele que não vivemos. Mas que nos foi relatado ou imaginado em obras como Maxambombas e Maracatus, de Mário Sette. Ou no poema Evocação do Recife, de Manuel Bandeira:

(...) Recife da minha infância/A rua da União onde eu brincava de chicote-queimado/Depois do jantar as famílias tomavam a calçada com cadeiras/mexericos namoros risadas/A gente brincava no meio da rua/ (...) Rua da União.../ Como eram lindos os montes das ruas da minha infância/ Rua do Sol/ (Tenho medo que hoje se chame de dr. Fulano de Tal)/Atrás de casa ficava a Rua da Saudade.../ ...onde se ia fumar escondido/ Do lado de lá era o cais da Rua da Aurora.../...onde se ia pescar escondido/ Capiberibe/ — Capiberibe/Lá longe o sertãozinho de Caxangá/ Banheiros de palha. (...) Um dia eu vi uma moça nuinha no banho(...)/ Rua da União onde todas as tardes passava a preta das bananas/ Com o xale vistoso de pano da Costa/ E o vendedor de roletes de cana/ O de amendoim/ que se chamava midubim e não era torrado era cozido (...)

É por isso que, estando entre estrangeiros, volta e meia tenho que me controlar para não contar a velha anedota do brasileiro que, depois de um ano na França convivendo com outros brasileiros, só no último dia revelou ser do Recife. Inquirido, respondeu que sua avó lhe havia ensinado a não humilhar quem quer que seja. Pelo menos, não de propósito.
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