Opinião Luzilá Gonçalves Ferreira: Cajus II Luzilá Gonçalves Ferreira é doutora em Letras pela Universidade de Paris VII e membro da Academia Pernambucana de Letras

Publicado em: 24/10/2017 07:17 Atualizado em:

Semana passada comentei a notícia: indústria europeia de cosméticos inaugura linha de produtos de beleza à base de caju, fonte de rejuvenescimento para todas nós, assegura-se. Eu preferiria pensar no que disseram nossos poetas, que já no século 17 louvaram a excelência do caju, cores e formas, e já então, com um certo orgulho patriótico. Como, por volta de 1704, Manuel Botelho de Oliveira (Música do Parnasso) e Frei Manuel de Itaparica (Descrição da Ilha de Itaparica) que falam de “Cajus belos”, assinalam a diversidade de cores e sabores. Mas, nacionalistas antecipados, insistem na superioridade do que é nosso: falam da castanha “que é melhor que a da França, Itália, Espanha” (Botelho) e da “brasílica castanha mais saborosa que a que cria Espanha” (Itaparica). Um século mais tarde o revolucionário Natividade Saldanha, tomado de saudade gustativa, no exílio, convida a amada ao ponche gostoso do loiro caju, “que aviva o prazer” até no Olimpo. Mais perto de nós, Joaquim Cardozo louva as folhas cor-de-vinho dos cajueiros, arautos do verão que ilumina os domingos de setembro, pressagiando noites perfumadas de amor. Cardozo conversa com a chuva de caju, a mesma que atravessa os arrabaldes cantados por Mauro Mota que fez de sua tese acadêmica, recentemente reeditada pela Cepe, um canto de amor à fruta, tese em que poesia e ciência se mesclam, Marcus Accioly assinala a capacidade de adaptação do cajueiro pois “floresce em qualquer clima” e frutifica “ao mesmo tempo na praia e na caatinga”. Mas Celina de Holanda vai além: a visão da fruta vence o desânimo: no vermelho que prende o olhar há o gesto que busca se realizar, que fala da vida e de sua força. Em uma de suas belas crônicas, Rubem Braga conta a morte do cajueiro familiar, cujos troncos conheceram, ao longo da vida da família, os pés de cada menino que crescia. Aqui em casa, um dos cajueiros tem sua morte anunciada. Ai de mim. Nunca deu um caju e está impedindo que se espraiem uma mangueira de frutas deliciosas e uma jaqueira que só consegue dar umas jaquinhas de nada (falta de sol?). O outro dominou o jardim, alimenta sabiás e jandaias (que aliás roem as castanhas ainda novinhas). Mas, nesse começo de verão, são poucos os frutos disponíveis para essa gente alada. Ficam cajus e castanhas para eles, enquanto vou à feirinha de Casa Forte comprar os cajus do Piauí.



MAIS NOTÍCIAS DO CANAL