Opinião Maurício Rands: Consequências da Indulgência Ideológica Maurício Rands é advogado, PhD pela Universidade Oxford.

Publicado em: 11/09/2017 07:14 Atualizado em:

Até os mais abnegados adeptos do Lulismo reconhecem que politicamente ficou muito difícil para Lula justificar as acusações do seu ‘amigo’ Palocci. Ainda que bem calculada para diminuir seu tempo na prisão, a fala de Palocci ‘constitui o pior momento para o Lulismo desde o início da Lava-Jato’. Como reconheceu outro de seus mais próximos (André Singer, Folha de SP, 9/9/17). Palocci revela um Lula que acha que o seu objetivo de redenção dos pobres lhe permite desrepublicanizar o estado. E, de quebra, garantir alguns benefícios para si, sua família e seu instituto. Se o Lulismo baseia-a no compromisso profundo com os excluídos, como justificar os fatos relatados por Palocci? 

Dilma reagiu chamando-o de canalha. Só descobriu agora? Logo ela, que conviveu com ele de modo tão próximo? Que o fez coordenador de sua campanha e seu ministro da Casa Civil? É, mas o que vale é a ‘narrativa’. Quem perceber as fraturas numa ‘narrativa’ dessas, é porque está fazendo o ‘jogo do adversário’. Mas, que adversário, cara pálida? Se o jogo é o desenvolvimento do país, não existem apenas dois lados. Não existe ‘nós’ contra ‘eles’. Os interesses e correspondentes visões são muito mais complexos, dinâmicos e diversificados do que uma disputa maniqueísta pelo poder. Alguns insistem em ver Lula como vítima de uma conspiração. Mesmo depois que o seu companheiro mais próximo nos anos de poder tenha revelado práticas incompatíveis com os objetivos proclamados do Lulismo. As consequências jurídicas da fala de Palocci ainda dependem do rumo das investigações. De provas. Mas, politicamente, continuar acreditando que Lula é imaculado tem apenas duas explicações. Uma, a religiosa. Não a que revela o lado bom das religiões: os valores de solidariedade e desprendimento. Mas o lado místico da necessidade da crença inabalável. A segunda, a instrumentalização do líder Lula como via de acesso a espaços de poder para avançar as mudanças sociais. Mesmo que as práticas do líder estejam em contradição com o conteúdo das mudanças sociais perseguidas. Essas duas atitudes passam ao largo da necessidade que tem a sociedade brasileira de se renovar. As desigualdades sociais permanecem abismais. Os pobres continuam a viver muito mal, submetidos à violência, ao desemprego, e a serviços de educação, saúde e transporte que não lhes permitem viver dignamente. Tudo isso reclama a capacidade de reinventar a política. As respostas do populismo ou do conservadorismo mudaram pouco as condições de vida do nosso povo. É verdade que alguns dos condutores da Lava-Jato incorreram em graves desvios personalistas e politiqueiros. Como Janot e Dellagnol, ‘redentores’ ávidos pelos holofotes. Isso não impede que a Lava-Jato represente um marco para que os atores políticos se reinventem. Não apenas com novos nomes e siglas. Mas sobretudo com novas atitudes. A começar pela honestidade política e intelectual de reconhecer, de verdade, os erros cometidos. Sem autoindulgência, ainda que ideológica. Pela capacidade de resgatar valores éticos. Estabelecidos os pressupostos éticos essenciais à democracia republicana, cada um que se alinhe com as propostas que lhes pareçam mais adequadas. E, certamente, um país com tantas desigualdades vai continuar precisando da atuação de forças políticas de esquerda, tradicionalmente mais sensíveis aos problemas da desigualdade. Mas o país vai precisar também de forças políticas mais focadas em aperfeiçoar o funcionamento dos mercados e acelerar a eficiência e a produtividade como indutores do desenvolvimento. Os embates, interações e compromissos entre essas forças podem gerar momentos mais promissores para o nosso futuro. O desafio é que tanto as forças de esquerda quanto as liberais e as conservadoras sejam capazes de respeitar limites fundamentais da democracia como o reconhecimento do adverso e o respeito às regras do jogo. A partir daí cada um defenda seu projeto de país, respeitando o supremo árbitro: o povo cidadão. Sem as falsificações dos marqueteiros. E sem salvadores da pátria personalistas. Vistam-se eles de toga ou de gibão.


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