Opinião Raimundo Carrero: Lições de linguagem e de estilo de Hermilo Borba Filho Raimundo Carrero é escritor e jornalista

Publicado em: 18/07/2017 07:35 Atualizado em:

Aprendi muito com Hermilo Borba Filho. Embora nossos encontros fossem raros, no apartamento da Viscondessa do Livramento em que vivia com a sempre querida Leda Alves ,no Derby, no escritório do Senai na Visconde de Suassuna, ou, finalmente, no apartamento da Rua do Futuro, e de Boa Viagem, conversávamos longamente sobre os meus primeiros livros com pausas para debates sobre o destino do país, naqueles tempos obscuros de ditadura , e de grande efervescência literária.

Não havia uísque ou cafezinho – a saúde do mestre não admitia luxos mundanos. Examinávamos originais – e ele era notável em indicar caminhos. Desde o princípio indicou-me a obra de Faulkner, de quem me tornei um leitor sistemático e um admirador capaz de imitação. Estava sempre em companhia de Leda – ele fazia questão em absoluto de estar cm ela. 

Gostava  muito de examinar a linguagem. Na primeira leitura de A história de Bernarda Soledade – minha primeira novela, que escrevi aos 23 anos - percebeu que a personagem Gabriela Soledade era sempre antecedida pelo adjetivo “enlouquecida” e alertou-me: “Tire este adjetivo, Carrero, a ação da personagem é suficiente para demonstrar que é louca”. Por mera rebeldia juvenil não cortei o adjetivo e hoje me arrependo completamente. Hermilo tinha razão e hoje me arrependo muito. Mesmo nas traduções  me incomoda. Ele percebia os mínimos detalhes. Ocorre que eu gostava demais desse adjetivo, como é natural nos escritores inexperientes. O adjetivo é um adorno que se faz amar, mesmo quando desnecessário. Grita e brilha. É o tal falso brilhante. Adjetivos e advérbios sempre falseiam e, por isso mesmo, se metem nas frases inocentes.

A minha frase ficaria melhor sem o adjetivo mas eu me deixei enganar. Até porque a falsidade é assim. Insinua-se, se apresenta, se mostra e nós acreditamos. Sempre. A questão é escrever e retirar os penduricalhos e os enfeites. 

No mesmo livro, escrevi que o cafezinho foi servido em xícara de prata. “Carrero, xícara de prata queima os lábios das pessoas. Tire isso. Escreva que o café foi servido em  xícara do aro  de prata”. E foi assim que aprendi a escrever. Ouvindo-o falar e comentar meus textos juvenis.


MAIS NOTÍCIAS DO CANAL