OPINIÃO Márcia Mª G. Alcoforado de Moraes: Os netos de Pedrinho Márcia Mª G. Alcoforado de Moraes é Professora associada do Departamento de Economia/ PIMES/ PPGEC da Universidade Federal de Pernambuco

Publicado em: 12/07/2017 08:06 Atualizado em:

Semana passada estive no Centro de Tecnologia da UFPE para participar de um seminário que apresentou resultados finais no contexto de um projeto de pesquisa iniciado há alguns anos atrás. Ao estacionar ao lado da nossa “praça da alegria”, pelo menos era assim que a chamávamos há exatos 30 anos - dei-me conta, um dia desses, que faz esse amontoado de anos que terminei o curso de engenharia - , fui recebida por um sorriso pobre em dentes, mas extremamente rico em doçura e beleza, e muito muito familiar.
Era Pedrinho, o menino mirrado e pequenino que tomava conta dos nossos carros, quase esquecidos no meio de tantas preocupações com listas impossíveis de concluir e provas que nos desafiavam e invariavelmente nos levava ao limite da resistência. A tentativa de dominar a miríade de técnicas oferecidas e extensamente cobradas - que iam do Cálculo Diferencial a Circuitos Digitais passando por Princípios de Comunicações e Sistemas de Controle - nos absorvia por completo, mentes e corações, num tempo em que todo o nosso tempo a isso dedicávamos. Não tínhamos a mínima ideia em que iríamos aplicar tudo aquilo.
Queríamos ser engenheiros. Não nos preocupávamos com os nossos fuscas e chevettes e nem com Pedrinho. Os carros eram presentes e não duramente conquistados e Pedrinho, bom Pedrinho, estava sempre ali com o mesmo sorriso doce com que me deparei semana passada. 
Mesmo forçando a memória não consegui recordar se ele naquela época já lavava nossos carros. Acho que não. Era muito franzino e pequeno para tal. Semana passada, meigo e sorridente, ele me disse que lavaria o meu com muito prazer. Estupefata, o ouvi dizendo que estava bem, que era feliz e tinha netos, lindos netos. 
Recentemente adicionada ao grupo de WhatsApp da minha turma de engenharia (elétrica +/- 30 anos), “revendo” tantos colegas brilhantes e me divertindo com ditos que por ali circulam: “Um engenheiro não vê o mundo. Ele o muda”. Fiquei por mim e por toda a nossa turma (talvez por toda a nossa geração) encabulada diante de Pedrinho. 
Em artigo no Valor Econômico intitulado O Brasil não deu certo, os economistas Ferreira (EPGE-FGV) e Fragelli (FGV) concluíram que a nossa estagnação desde a década de 1980 foi uma escolha e não um destino inescapável. “A partir dos anos 1980 o país foi engolfado na armadilha da renda média, tendo parado de crescer”. Segundo os autores, a maioria da nossa população acreditava (e ainda acredita!) que o Estado-mãe poderia prover o paraíso na terra. Isto teria inspirado a Constituição de 1988, “que prometeu tudo a todos, descuidando do financiamento das despesas e do seu impacto no longo prazo. Capturadas pelos grupos dominantes, as políticas deste Estado-mãe excluíram a grande maioria da população e ignorou a educação”.
Finda a manhã e já iniciada a tarde, ao sair do seminário me deparo com meu carro lavado, mas não encontro mais Pedrinho. Procuro, ao mesmo tempo que revisito lanchonete, corredores, placas e escadas. Me dizem que foi almoçar. Me angustio por não conseguir pagá-lo, mas já em casa, e ainda tentando entender a minha inquietação com o reencontro - desencontro, me dou conta que talvez ela venha da constatação de que a nossa dívida com ele seja impagável. Ou então talvez haja uma forma, uma única forma. Reconhecer o fracasso do modelo de Estado que implementamos e encarar a necessidade urgente de uma reforma radical, que se de um lado possa vir a reduzir muitos de nossos privilégios,  proporcione a melhoria do bem-estar da maioria dos brasileiros, e muito em especial venham a garantir aos netos de Pedrinho as possibilidades que a ele negamos.


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