Delação Especialistas questionam termos dos acordos de colaboração premiada Profissionais criticam a legislação, que teria lacunas, seria defeituosa, e reclamam de precipitação nos acordos

Por: Correio Braziliense

Publicado em: 23/06/2017 08:29 Atualizado em:

O julgamento do caso JBS no Supremo Tribunal Federal (STF) abriu um debate sobre a delação premiada, conforme previsto na Lei 12.850, que define organização criminosa e dispõe sobre a investigação criminal, os meios de obtenção da prova, infrações penais correlatas e o procedimento criminal. Na avaliação de especialistas, a forma como acusadores e defensores lidam com a norma, sancionada em 2013, portanto há menos de quatro anos, merece adjetivos como precipitada e imatura.
 
O tema ainda é visto com reservas. De oito pedidos de consultas da reportagem, apenas três renderam respostas positivas, uma delas sob a condição de anonimato. Em geral, as negativas usam como justificativa vínculos com clientes que podem receber ou já receberam oferta de acordo de delação premiada e mesmo o fato de o julgamento estar em andamento. Contudo, os profissionais que falam, criticam a legislação, que teria lacunas, seria defeituosa, e reclamam de precipitação nos acordos.

“O MP fez o acordo (com a JBS) da forma como não deveria. Isso teria que ficar para o momento das alegações finais porque só o juiz pode reconhecer o valor das provas”, diz o secretário-geral adjunto da Ordem dos Advogados do Brasil, seção Distrito Federal, Cléber Lopes. “Não há razões para se firmar um acordo tão no início da investigação, tão longe do momento final do processo, as provas que o sujeito trouxe para o processo só podem ser consideradas no momento da sentença.”

A preocupação com a correção do processo de julgamento da JBS e com o risco de ameaças ao andamento da Operação Lava-Jato e, por consequência, ao combate à corrupção no Brasil remetem ao artigo décimo, parágrafo quarto da Lei 12.850. Essa parte do texto prevê que as partes que firmaram o acordo de delação premiada podem retratar-se da proposta, caso em que as provas autoincriminatórias produzidas pelo colaborador não poderão ser utilizadas exclusivamente em seu desfavor. Estaria aí a garantia para a tal segurança jurídica.

Os sucessivos escândalos na política brasileira estimularam um tradicional escritório de advocacia de São Paulo a formar equipe com especialistas em direito penal. Ricardo Caiado, que integra a equipe da Campos Mello Advogados, está entre aqueles que manifestam preocupação com os cumprimentos dos ritos legais — até para não inviabilizar todo um processo, que custa trabalho e toma tempo. “A aplicação prática da delação premiada no Brasil é recente, então Ministério Público e defesa estão se iniciando no uso desse meio de prova, uma fase de amadurecimento para todos os atores”, avalia.

A inexperiência com a novidade do instituto jurídico tem consequências práticas. “O que se percebe, por parte da defesa e não é de hoje, é o receio de abusos, por exemplo, prisão preventiva para forçar uma colaboração”, comenta um advogado de Curitiba que pede o anonimato porque tem, entre os seus clientes, políticos e executivos na iminência de firmarem acordos de delação premiada. Esse profissional defende que os acordos de colaboração com a Justiça feitos pelo Ministério Público passem necessariamente por crivo. “O delator não pode ficar à mercê da Procuradoria-Geral da República, é preciso uma filtragem conforme a Constituição”, argumenta.

O caso em questão, que resultou num compromisso que garante impunidade aos executivos da empresa JBS, é um bom subsídio para críticas. “Houve uma reação negativa entre a população e na imprensa em virtude da quantidade de benefícios que se concedeu a quem cometeu tantos crimes”, critica o advogado de Curitiba sobre aquela que ficou conhecida como “delação superpremiada”. “Certamente, de agora em diante o Ministério Público se tornará mais restritivo ou, daqui a pouco, ninguém mais será punido, só uns três ou quatro criminosos”, diz o defensor.

Para Cleber Lopes, da OAB/DF, a suposta distorção na concessão do benefício ao colaborador da Justiça tem a ver com uma inversão nas etapas do processo. “A extensão do acordo depende da valoração das provas, o que só é possível avaliar no final do processo, na sentença, porque o tamanho do benefício deve ser proporcional ao valor das provas”, explica Cléber Lopes, que cita uma diferença fundamental entre os sistemas jurídicos norte-americano e brasileiro. “No nosso país ainda prevalece o sistema processual em que o juiz é detentor privativo da prestação judiciária, da aplicação da lei, ou seja, é o juiz que diz o direito: o promotor acusa, o juiz decide.”


MAIS NOTÍCIAS DO CANAL