Opinião Hugo Melo Filho: Homenagem ao prof. Everaldo Gaspar Hugo Melo Filho é juiz do trabalho e professor da UFPE

Publicado em: 29/03/2017 06:59 Atualizado em: 29/03/2017 07:05

É curioso como as raízes profundamente plantadas no solo da terra natal alimentam o espírito das pessoas com a seiva dos costumes e das tradições, deixando em muitos a marca indelével da paisagem e do jeito de tanta gente encontrada no rumo dos anos. A tamarineira, os musgos e as flores do Pau D'Arco de Augusto dos Anjos encontram-se nos seus vibrantes - às vezes tétricos - versos. A Itabira de Carlos Drumond e os seus veios férreos, a Taperoá de Ariano Suassuna, nos confins do Sertão dos Cariris Velhos, estão presentes, em verso e prosa, em suas obras. A Macondo descrita por Garcia Marques, sabe-se, é a Aracataca de sua infância, da convivência com o avô, “aldeia de casas de barro e taquara”, testemunhas de cem anos de solidão. Enfim, o lugar que assiste à nossa chegada ao mundo será, para todos e por toda a vida, referência recorrente.

Everaldo Gaspar Lopes de Andrade é um orgulhoso filho de Quebrangulo, que se fez pernambucano, para honra da Terra dos Altos Coqueiros. Deixou a Veneza Alagoana,  toda entrecortada por pontes sobre os rios Paraíba do Meio e Quebrangulinho, para viver na Veneza Brasileira, banhada pelo Capibaribe e pelo Beberibe.   Trouxe consigo, impregnada na memória, a paisagem de sua terra natal, emoldurada  pelas serras das Guaribas, do Chorador e do Cajueiro. Trouxe, mais do que isso, o talento e o exemplo dos seus conterrâneos Graciliano Ramos e Manoel Fiel Filho, este, vítima da covardia da ditadura militar, aquele, um dos maiores nomes da literatura brasileira.

Atuou por 20 anos no Ministério Público do Trabalho, tendo sido Procurador-Chefe na 6.ª Região. Angariou o respeito e o reconhecimento do mundo do trabalho brasileiro, por sua atuação em defesa da classe trabalhadora. Naquele tempo, o TRT de Pernambuco era uma Corte marcada pela sensibilidade social e Gaspar era o “maestro da orquestra”, como definiu o grande advogado sindical Romeu da Fonte.

Há 40 anos, o Professor Everaldo Gaspar vem formando gerações de bacharéis e professores de Direito, na UNICAP e na UFPE. Querido e respeitado por seus alunos, mantém com eles uma relação quase paternal. As portas da casa dele, todos sabem, não se fecham. A entrada está sempre franqueada aos alunos, que acorrem à famosa biblioteca do mestre, seguramente a mais completa da cidade, em matéria trabalhista. Dono de eloquência vigorosa e emocionante, Gaspar cativa qualquer platéia.

Não se intimida em face das dificuldades, enfrentando-as com coragem exemplar. É de uma franqueza contundente, mas raramente magoa alguém. Sofre, desde sempre, com os insucessos do Clube Náutico Capibaribe. É um artista de talento: poeta e instrumentista. Sua carteira de identidade , que exibe com orgulho, é da Ordem dos Músicos do Brasil. Ama o cordel e o repente e, com memória prodigiosa, declama verdadeiras obras de arte dos repentistas nordestinos, seja nas palestras, seja tomando cerveja com os amigos, bom boêmio que sempre foi. Mas de todas as marcas de sua personalidade, uma imensa virtude sobressai: a generosidade. Como seu conterrâneo Graciliano Ramos, Gaspar “acha medonho alguém viver sem paixões”.

A paixão de Gaspar é o homem e a sua dignidade. Por isso, sempre fez coro ao mesmo Graciliano: “Se a igualdade entre os homens - que busco e desejo - for o desrespeito ao ser humano, fugirei dela.”

Por sua imensa contribuição ao Direito do Trabalho, Everaldo Gaspar tem sido merecedor de muitas homenagens, como a que lhe acaba de ser prestada na USP, em tão importante evento ocorrido na semanada passada. Mas, seguramente, a maior homenagem é a que recebe quotidianamente, dos seus alunos, amigos e admiradores, em retribuição à dedicação e ao carinho do mestre.

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