Opinião Fernando Araújo: Farmácia da alma 24 horas "A biblioteca se caracteriza como local de construção permanente de cultura. É porta de entrada para o conhecimento. De conservação e preservação da memória"

Por: Diario de Pernambuco

Publicado em: 27/09/2016 07:12 Atualizado em:

Por Fernando Araújo
Advogado e professor de direito

O Município de São Paulo está comemorando o primeiro ano de um projeto vitorioso: “Biblioteca 24 Horas”. A Mário de Andrade, na região central da cidade, foi a pioneira. A entrada é “Catraca Livre”, ou seja, não há taxas ou ingressos, e lá se pode estudar, ler ou usar o Wi-Fi gratuito. Além disso, pode-se retirar, por empréstimo, até dois livros por vez, e devolvê-los em até 14 dias. Feliz deve estar o autor de “Paulicea Desvairada” e “Macunaíma”, pois foi homenageado duplamente, com o nome da biblioteca pública municipal e com um projeto dessa magnitude.  Se ele protagonizou no passado uma revolução cultural, já que foi o detonador da “Semana de Arte Moderna” em 1922, agora vê o seu nome envolvido em outra ação transformadora. 

Com isso, a cidade não terá apenas farmácia 24 horas para as necessidades do corpo, mas também para as da alma. E por falar em farmácias, as de medicamentos, o Brasil as tem em demasia. Na verdade, o triplo de suas necessidades. O que falta mesmo são bibliotecas e livrarias. Para se ter uma ideia, Buenos Aires sozinha tem 734 livrarias(e por isso recebeu o título da Unesco de Capital Mundial do Livro em 2011, a exemplo de Madri, Bogotá, Montreal e Amsterdã em anos anteriores), enquanto São Paulo capital e a cidade do Rio de janeiro juntas somam apenas 686. E mais: em matéria de empréstimo de livros à população, Istambul está muito na frente dessas duas maiores capitais do país. Pior ainda: mais de 1300 municípios brasileiros não têm sequer uma única biblioteca pública. 

Manifesto da Unesco de 1994 já mostrava a importância social da biblioteca pública e sua função como estimuladora do hábito da leitura. De fato, a biblioteca se caracteriza como local de construção permanente de cultura. É porta de entrada para o conhecimento. De conservação e preservação da memória. Aliás, a iniciativa vem bem ao encontro do que estabelece o art. 215 da Constituição Federal: “O Estado garantirá a todos o pleno exercício dos direitos culturais e acesso às fontes da cultura nacional, e apoiará e incentivará a valorização e a difusão das manifestações culturais”. Ora, sem leitura não há cultura. Daí ter o legislador Constituinte colocado esse incentivo como um direito fundamental do cidadão. Quem não lê não escreve. A leitura é um hábito poderoso, máxime para as crianças, pois as faz conhecer mundos e ideias. Ela não se presta apenas para decifração dos códigos linguísticos e sua aprendizagem. É muito mais do que isso. É uma verdadeira conquista de autonomia, com ampliação de horizontes. Nas crianças sobretudo tem o poder de alimentar o seu imaginário. De fazê-las sentir que o mundo está ao seu alcance e que, por isso mesmo, ele pode ser modificado. Não foi por outra razão que Monteiro Lobato verberou que “Um país se faz com homens e livros”.


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