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Opinião Dalson Figueiredo: O que Frank Underwood diria? Dalson Figueiredo é professor do Departamento de Ciência Política da UFPE

Por: Diario de Pernambuco

Publicado em: 21/03/2016 08:47 Atualizado em:

O jornal alemão Die Zeit disse que a crise política brasileira é mais interessante do que a série norte-americana House of cards, que descreve as trapaças do maquiavélico Frank Underwood rumo à Casa Branca. De fato, o roteiro nacional tem algumas vantagens. Primeiro, conta com uma oposição claramente insatisfeita com o resultado da última eleição presidencial. Segundo, tem um presidente parlamentar, Eduardo Cunha (PMDB - RJ), denunciado por corrupção e supostamente envolvido em transações duvidosas. Terceiro, apresenta um núcleo conservador que tem como principal protagonista Bolsonaro (PP). Para completar, um ex-presidente que foi conduzido coercitivamente pela Polícia Federal. Nos últimos dias, o Ministério Público de São Paulo pediu a prisão preventiva de Lula, a juíza encarregada remeteu o processo à Justiça Federal e a presidenta em exercício nomeou o então denunciado como ministro da Casa Civil, com direito a ligação pessoal, interceptação telefônica e vazamento na internet.

O que Underwood diria sobre a nomeação de Lula? Depende de que lado do governo você está: situação ou oposição. Os governistas diriam: a livre nomeação de ministros de estado é competência privativa do presidente da República (art. 84, CF 1988). Dessa forma, satisfeitos os pressupostos de idade e pleno exercício de direitos políticos, não há impedimentos jurídicos na indicação em tela. Mas nem tudo que é legal é moral. Veja as manifestações nas ruas, diriam os opositores. Não existe legitimidade na escolha da presidenta Dilma. A nomeação é uma manobra política para blindar o ex-presidente.

O que diferencia a ciência de outras formas de conhecer a realidade é método. Diferente do advogado que se torna defensor de uma ou outra posição, o cientista orienta suas conclusões a partir da melhor evidência disponível. As estimativas da Polícia Militar sugerem um total de 3,3 milhões de pessoas em mais de 250 cidades. Isso quer dizer que cerca de 1,65% da população em cerca de 5% das cidades resolveu se manifestar sobre o tema. Sem dúvida, é muita gente. No entanto, o Brasil tem mais de 200 milhões de habitantes distribuídos em 5.570 municípios. Ou seja, 98% dos brasileiros distribuídos em 95% dos municípios ou não têm opinião sobre o assunto ou preferiram fazer outras coisas no dia 13/3/2016. De forma mais preocupante, não é possível saber em que medida a amostra presente nos protestos é representativa da população brasileira e, por isso, é impossível generalizar as opiniões e atitudes dos manifestantes do último domingo para descrever o sentimento político predominante no país.

A Constituição brasileira de 1824, em seu artigo 99, afirmava que o imperador era sagrado, inviolável e que não estava sujeito a responsabilidade alguma. Independente da sua localização no espectro ideológico, a principal conclusão que emerge do cenário político recente é o amadurecimento institucional. Com ou sem viés, as nossas instituições estão funcionando: deputados condenados, senadores presos, ex-presidente indiciado e uma presidenta grampeada. Enquanto as intrigas da série alimentadas pelas vigarices de Frank Underwood servem de entretenimento para o telespectador, os desdobramentos da crise política acabam solapando a confiança popular na democracia como forma de governo. No entanto, ninguém é tão ingênuo ao ponto de acreditar que tudo isso é novidade. A diferença é que agora temos streaming. A quarta temporada de House of cards já terminou, o próximo episódio da nossa crise política está prestes a começar.

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