Opinião Raimundo Carrero: Se é literatura demais, não serve. Tenha certeza. Escreve, então, coisas assim: %u201CPedro olhou de soslaio%u201D. É literatura demais, não serve. Quem fala assim é o autor,não é o narrador.

Por: Diario de Pernambuco

Publicado em: 22/02/2016 08:31 Atualizado em:

Quando certa pessoa decide escreve uma obra de ficção - romance, novela, conto - e submete o trabalho criador aos “elementos internos do textos”, na expressão de Graciliano Ramos, está no caminho certo. Mas quando quer ser autor,  erudito, doutor, sabichão, opinativo, com direito a aparecer mais do que o narrador, por exemplo, está decidido a cometer um desastre, um acidente literário.

Escreve, então, coisas assim: “Pedro olhou de soslaio”. É literatura demais, não serve. Quem fala assim é o autor,não é o narrador. Acha pouco e escreve “ ele tem o nariz adunco”. Nariz adunco é literatura demais, não serve. Interferência brutal de autor que nem desconfia de sua tarefa. Mais adiante escreve: “Céu púmbleo”. Por favor saia do meu romance que é literatura demais, não serve...
Estas expressões são típicas do escritor que vê na ficção algo muito pobre, e por isso quer se exibir, parece dizer ao leitor “veja bem, o autor desta mentira é um homem culto, com muitos títulos e preciso lhe convencer para que não perca tempo.” Se é assim por que não escreve um ensaio em que distribua as melhores qualidades de erudito, de pensador?Se escrever muito bem, com equilíbrio, com harmonia, então a tarefa está cumprida.
Mas o que é um texto harmônico, equilibrado? Repare bem neste exemplo de Hemingway no final de Adeus às Armas, quando o narrador, em primeira pessoa, mostra que o grande amor de sua vivida acaba de morrer, depois de um parto complicadíssimo, em que a criança morre também, e ele expulsa as enfermeiras do quarto:
“Mas depois que as expulsei dali e fechei a porta e acendi a luz,  a situação em nada melhorou. Era como se eu estivesse me despedindo de uma estátua. Saí. Fui para a rua e regressei ao hotel a pé, lentamente, sem dar atenção à chuva.” O  narrador não faz literatura demais com lamentos e exclamações do tipo “meu amor morreu, que será de mim?! Acuda-me Senhor!”Apenas mostra o que vê e deixa as lamentações para o leitor. Imaginem se o narrador dissesse: “Olhei de soslaio para o cadáver de nariz adunco e saí.” Recolho o palavrão para não espantar o leitor. Que nem devo, até porque, o palavrão, diz Adélia Prado, é a palavra fora do lugar.Flaubert afirmava que a palavra que aparece mais do que as outras numa frase deve desaparecer.  Risca, risca, por favor.

Hemingway dá um exemplo de como não se deve escrever, no mesmo romance, uma página antes:
“A enfermeira entrou e fechou a porta. Sentei-me no hall. Não podia pensar. Senti que ela ia morrer e pedi que não fosse assim. Oh, Deus, fazei que Catherine não morra. Por favor. Por favor.Tudo farei por ti, Deus querido,se ela se salvar. Farei tudo que ordenares, se Ela não morrer.Já levastes a criança, deixa-me a mãe!'. Pior, impossível. Presença do autor e autor muito ruim.

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