Diario Opinião: heranças transmitidas pelo sangue "No meu caso, parece que estas se resumem exclusivamente a doenças"

Por: Diario de Pernambuco

Publicado em: 26/11/2015 07:14 Atualizado em:

Por Vladimir Souza Carvalho
Magistrado
vladimirsc@trf5.jus.br

Estamos em Lisboa, no Hotel Mundial, que, no primeiro dia, brinda o hóspede com uma bandeja contendo uma garrafa de água mineral, uma laranja, uma maçã e uma pera ou uma ameixa. Pois bem. Depois do jantar, já de volta ao hotel, Pedro – que dividiu com Vladimir um apartamento – vai até o meu, para me avisar que não fizesse uso da tangerina, porque ela era amarga. Bom. Estranhei a presença da tangerina, porque a bandeja, ali presente, trazia uma laranja, de casca que faz jus ao nome, pela cor adotada, dessas que, por aqui, é mais cara que as demais. Explicações dadas. Dúvida dissipada. Não era tangerina. Era laranja. Só que, na suposição de ser tangerina, a tratou assim, e, não sei como, deve ter mastigado a casca, que, evidentemente, não deve ser nada agradável.

Não posso esconder que ri um bocado. Tentei reconstituir o crime, digo, a cena, mas ele não gostou de minha reação, de modo que não sei, exatamente, como a laranja foi descascada, nem se foi descascada, nem como ele a mastigou, supondo ser tangerina, etc. e etc. Não deu para avançar mata a dentro, sobretudo em se cuidando de Pedro, que fecha logo a porta do diálogo, não se arriscando mais a me dar explicações pormenorizadas.

Esse o fato, em sua simplicidade e inteireza.
O problema está nas heranças transmitidas pelo sangue. No meu caso, parece que estas se resumem exclusivamente a doenças, como a pressão alta de um lado, a gota de outra, de modo que Pedro, na condição de neto de meu pai, não herdou do avô a mestria na arte de descascar laranjas. O leitor atento há de me perguntar se o neto herda do avô a habilidade no uso da faca para cortar laranjas. Bom. Nunca li nada sobre a matéria, admito, logo de início.

Mas, deveria, como Vladimir herdou do avô paterno o cabelo grosso e fechado, parecendo uma árvore podada, que se mantém em pé sem necessidade de gel, enfrentando qualquer tipo de vento sem alteração alguma. Deveria. Ou deveríamos nós ensinar as primeiras letras na arte de descascar laranjas aos nossos filhos, tarefa que a escola não se incomoda em tomar a iniciativa. Acho que a conversa foi longe demais e se tornou complexa. Deixa para lá.


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