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Menino bonito

Vladimir Souza Carvalho
Membro das Academias Sergipana e Itabaianense de Letras

Publicado em: 15/07/2023 03:00 Atualizado em: 15/07/2023 05:40

Eu passava e era chamado. Lá ia. Dona Bombina me consagrava de bonito, a mão passando na minha cabeça, eu, o riso encabulado, sem dizer nenhuma palavra. De repente, ela se virava para Pita, ao lado, e, a voz retumbava em acusação: e você, não tem vergonha de não ter sido pai? Eu aproveitava o calor chegando e saía de fininho. À época, acusava-se defeito no marido que não fazia filho. Era ele o culpado. A mulher permanecia atrás da inocência. Era apenas a vítima.   

Na porta de dona Iazinha, ela sentada, um banquinho coberto de toalha, os vasos com bala de leite e de café – que ninguém sabe onde foi parar a receita -, e, novamente, o afago, a mão na minha cabeça, menino bonito para lá e para cá, eu sendo premiado com duas balas.  

Adiante, na casa de seu Olívio Tavares, dona Olívia na janela, o mesmo elogio de menino bonito me era endereçado, desta vez sem afagos nem balas, e, como seu Olívio nunca estava na janela também, não recebia nenhuma acusação de não ter sido pai. Eu seguia calado para casa,  carregando o saco de elogios que me deixavam encalistrado, matutando no meu silêncio, nunca abrindo a boca para agradecer o elogio ou responder que eram os olhos delas. Talvez no fundo gostasse, não sei bem, o tempo já se revela bem distante para ingressar na minha cabeça a fim de verificar, em verdade, se me agradava ou não, porque, acima de tudo, predominava minha timidez, o sorriso amarelo, que, dessa época, aprendi a fazer quando, para não ser descortês, me limitava a um riso morno, que traduz tão só um ranço de que o elogio não atingiu o âmago do coração. Que fazer, não ia dizer as ilustres senhoras que não me chamassem de menino bonito, para eu não ficar atarantado. Melhor era passar por elas anonimamente, se possível fosse. Não era.

Mas, o problema não estava só aí. Estourou em casa, com mamãe, algum malfeito que fiz, a reprimenda dada, eu sem defesa nem justificação, calado, esperando o bombardeio passar, quando, enfim, ela me deu o mote devido, que eu não esperava, mas surgiu, como se fosse um milagre, surgiu, para me ajudar na formulação da defesa, ou, de pelo menos, uma palavra única que fosse. Vou ao ponto chave. Mamãe me chamou de menino feio. Contestei: feio como se três mulheres me chamaram de bonito?! Declinei os nomes. Mamãe riu. Estava absolvido. 

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