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Reação da UE a Trump agrava críticas à resposta americana ao coronavírus

Por: FolhaPress

Publicado em: 12/03/2020 21:27

 (Foto: Brendan Smialowski / AFP)
Foto: Brendan Smialowski / AFP
Há semanas aumentam as críticas, nos Estados Unidos, a como o presidente Donald Trump tem lidado com a crise do coronavírus. E, por semanas, ele discordou da gravidade da situação.

Seu anúncio na quarta-feira (11), restringindo a entrada de viajantes vindos da Europa, foi tido como uma guinada brusca para corrigir a rota.

Com a medida, porém, o líder americano pode ter criado uma crise diplomática com o bloco europeu -reforçando, com isso, a impressão de que seu governo tem agravado a situação em vez de controlá-la.

Reagindo ao anúncio de Trump, a Comissão Europeia divulgou nota nesta quinta (12) na qual criticou a medida unilateral. "O coronavírus é uma crise global, não limitada a um continente, e requer cooperação", afirma no comunicado o braço executivo europeu.

Proibir a entrada de viajantes chegando da Europa foi tido como mais uma medida isolacionista de Trump.

Guy Verhofstadt, eurodeputado liberal e ex-premiê belga, foi nessa direção. Afirmou que o "nacionalismo não é a resposta à covid-19 e que o vírus não se importa com fronteiras nem com nacionalidades".

Antiglobalista, o presidente americano insiste que é preciso construir muros, reais e metafóricos, mas o coronavírus já afeta mais de mil pessoas dentro do país. A capital, Washington, está desde quarta em estado de emergência.

A gravidade da situação no território americano é em parte, segundo especialistas, resultado de políticas desastrosas de saúde pública.

A gestão Trump é acusada de ter desmontado aparatos de emergência, desacreditado cientistas que trabalhavam para o governo e motivado, assim, uma fuga de cérebros.

O governo também é criticado por ter feito pouco caso quando soaram os primeiros alarmes. A mesma acusação é feita ao brasileiro Jair Bolsonaro, que se referiu ao vírus como "fantasia" na terça-feira (10), apenas um dia antes de a Organização Mundial da Saúde oficializar a pandemia.

Trump chegou a sugerir que seus rivais estavam exagerando a gravidade da crise para impedir sua reeleição em novembro. Se a epidemia se agravar nos próximos meses e os mercados continuarem a convulsionar, as chances de ele permanecer na Casa Branca podem de fato minguar.

"A performance do governo Trump foi decepcionante e tornou a situação pior do que poderia ter sido", diz Steven Aftergood, membro da Federação de Cientistas Americanos.

A impressão, segundo Aftergood, é a de que as autoridades americanas foram surpreendidas pelo coronavírus e não estavam adequadamente equipadas para a crise. Mas, na verdade, não houve surpresa alguma.

Há anos cientistas alertam para a possibilidade de uma epidemia de tamanha dimensão. Tanto que, em 2014, depois da crise do ebola, o então presidente Barack Obama criou um time de segurança nacional na Casa Branca para lidar com o risco de epidemias.

Essa equipe, no entanto, foi eliminada em 2018 pela administração Trump. "O nível de preparo que existia no país há alguns anos foi reduzido", diz Aftergood. Com isso, a possibilidade de conter o vírus em seus primeiros estágios foi perdida, o que significa que mais pessoas foram afetadas.

Enquanto Trump discordava da gravidade da crise, seu governo demorou semanas até começar a testar os possíveis casos de maneira ampla.

Ainda hoje há dificuldades para oferecer diagnósticos aos pacientes, com poucos testes disponíveis e protocolos lentos.

Trump também é criticado por ter nomeado seu vice, Mike Pence, para liderar a resposta ao coronavírus. Pence é acusado de ter agravado uma crise de HIV no estado de Indiana, onde foi governador.

Especialistas em saúde pública dizem que ele adiou as medidas necessárias para conter o número de casos, além de ter dificultado os testes para detectar o vírus.

Outra crítica feita a Trump é que, com o pouco prestígio dado à ciência, tem havido uma fuga de cérebros em sua gestão.

A estimativa é a de que ao menos 1.600 cientistas tenham deixado as agências públicas durante os dois primeiros anos do governo Trump.

A EPA (Agência de Proteção Ambiental) –responsável por divulgar recentemente uma lista de desinfetantes eficazes contra o coronavírus– perdeu um terço da equipe desde que o republicano assumiu.

Em 10 de fevereiro, quando os alarmes de uma epidemia já soavam ao redor do mundo, o governo americano propôs um corte de 16% no orçamento do CDC (Centro de Controle e Prevenção de Doenças).

A medida não deve ser colocada em prática, devido à resistência do Congresso, mas indica a perspectiva do governo. "É ultrajante", diz Jeffrey Levi, professor da Universidade George Washington e especialista em saúde pública. "Colocaria o país em risco."

Outro risco, segundo os especialistas ouvidos pela reportagem, é o da desinformação. Em especial, aquela propagada justamente por Trump. Ele já disse, por exemplo, que o número de casos estava caindo –mas estava subindo.

Também afirmou que a taxa de mortalidade era de menos de 1% –enquanto cientistas estimavam uma porcentagem de 3,4%. O presidente americano ainda justificou seus palpites dizendo ter um "instinto natural" para a ciência.

Trump prometeu, ademais, uma vacina para bastante em breve. O problema é que vacinas demoram entre 12 e 18 meses, porque envolvem baterias de testes antes de serem de fato aplicadas.

Com tantas mensagens dizendo que os riscos eram baixos, Trump pode ter contribuído para que pessoas continuassem a se expor ao vírus. É o oposto do que têm sugerido cientistas ao redor do mundo.

Por fim, em resposta à notícia de que Fabio Wajngarten, 44, membro da comitiva brasileira que se encontrou com Trump, 73, na Flórida, é portador do coronavírus, a Casa Branca anunciou nesta quinta que não há necessidade de o presidente e o vice, Mike Pence, 60, fazerem o teste para saberem se estão contaminados.

Judith Wasserheit, professora de medicina na Universidade de Washington, em Seattle, em entrevista ao New York Times, porém, discorda da decisão. "Devido às funções importantes que o presidente e o vice-presidente desempenham, seria sensato ter uma tolerância para realizar testes, independentemente do status dos sintomas", diz ela.

Nesse contexto, o coronavírus começa a pairar sobre as eleições, com a possibilidade de que Trump pague nas urnas o preço de suas decisões.

A pandemia, porém, deve afetar também o Partido Democrata. Joe Biden, 77, e Bernie Sanders, 78, que disputam a nomeação do partido, cancelaram nesta semana comícios, e não está claro o que acontecerá nos próximos meses.

Nesta quinta, o ex-vice-presidente dos EUA, em discurso realizado no estado de Delaware, acusou Trump de desdenhar os riscos do coronavírus e pediu que os números não sejam escondidos.

O pré-candidato também disse que os Estados Unidos deveriam liderar os esforços globais de combate à doença e que, se fosse presidente, a resposta seria melhor, pois ele iria liderar "com a ciência".

Já Sanders chamou Trump de "incompetente" e defendeu que o republicano declare estado de emergência. Ele pediu ainda que a sociedade se una no combate ao vírus e que demonstre mais solidariedade para enfrentar o problema.

Ainda que o governo tenha errado, não há razões para o pânico, diz Wendy Wagner, professora na Universidade do Texas, em Austin, e especialista em ciência e política pública.

Wagner afirma que há "cientistas incríveis" trabalhando para o governo, em uma "infraestrutura excelente". Ainda é possível, portanto, reverter o cenário, se de fato houver vontade política.

"É possível demonstrar ao público que pessoas estão morrendo, que o vírus está se espalhando. Isso vai mudar a conversa política, porque a verdade está aparecendo", diz Wagner.

"Fake news", nesse caso, têm pernas curtíssimas -e podem tropeçar. "As pessoas não poderão continuar a mentir." 
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