Acidente Tragédia que há dez anos deixou 154 mortos expõe caos no controle aéreo O número relativo de controladores de voo em atuação no país é ainda menor

Por: Correio Braziliense

Publicado em: 26/09/2016 07:58 Atualizado em: 26/09/2016 08:01

Neusa Machado (E) e Salma Assad, parentes de vítimas do voo 1907: ressentimento por falhas no atendimento às famílias. Foto: Marcelo Ferreira/CB/D.A Press
Neusa Machado (E) e Salma Assad, parentes de vítimas do voo 1907: ressentimento por falhas no atendimento às famílias. Foto: Marcelo Ferreira/CB/D.A Press

O país relembra, na quinta-feira desta semana, a segunda maior tragédia da aviação brasileira. Em 29 de setembro de 2006, o boeing 737 da companhia aérea Gol colidiu no ar com o jato Legacy-600 e caiu na floresta Amazônica, em Mato Grosso. A data virou um marco para a vida de 154 famílias, que esperam que o sofrimento delas tenha servido de exemplo para que outras tragédias não se repitam. Entre os problemas escancarados com o desastre, estava a precariedade do tráfego aéreo brasileiro.

De acordo com o diretor técnico do Sindicato Nacional dos Trabalhadores na Proteção ao Voo, Hernandes Pereira, a única coisa que mudou na última década foi o desenvolvimento tecnológico, que permitiu ao setor aumentar a capacidade de fazer mais voos — e a média de crescimento por ano é de 10%. “Em relação a recursos humanos, só piorou. O plano de carreira dos controladores de voo nunca saiu e a carga horária continua a mesma. As condições de trabalho são péssimas. O tráfego aéreo é uma caixa preta dentro desse sistema”, comenta o profissional, já aposentado. A carga horária da categoria é de 160 horas mensais.

Um piloto de uma grande companhia com mais de 15 anos de experiência, que prefere não se identificar, concorda. Para ele, houve mudanças em relação aos equipamentos e à quantidade de controladores, mas há uma queda brutal na qualidade. “Está cada vez mais difícil encontrar um controlador que passe segurança nas informações. Alguns mal conseguem falar inglês.” Hernandes vai mais longe ao criticar a excessiva dependência em relação à tecnologia. “Se os sistemas falharem, a maioria ali não vai saber o que fazer”, diz.

Sem relaxar
O diretor-geral do Departamento de Controle do Espaço Aéreo (Decea), tenente-brigadeiro Aquino, afirma que o setor vive uma relativa tranquilidade, “relativa porque não podemos relaxar”. Segundo ele, ao se comparar cenários, o número de controladores cresceu cerca de 50% nos últimos 10 anos, mas o tráfego aéreo aumentou em 68% desde 2008. “Ou seja, numericamente, temos menos controladores.”

O brigadeiro comenta que o acidente com a Gol foi uma fatalidade e que, em tese, de lá para cá, nada significativo mudou, porque o sistema, segundo ele, sempre foi adequado à demanda. “A gente está sempre fazendo ajustes pontuais para evoluir. O importante é conhecer o que aconteceu e evitar que a falha vire um acidente.”

Wilton Sampaio, que foi piloto por mais de 50 anos, conta que notou uma evolução no sistema pós-acidente, especialmente depois das recomendações que surgiram após o relatório do Centro de Investigação e Prevenção de Acidentes Aeronáuticos (Cenipa). “Além da tecnologia, os pilotos e os controladores passaram a ter mais atenção. O erro ensinou a todos.” O coronel-aviador Roberto Fernandes Alves, vice-chefe do Cenipa, acredita que muito se evoluiu, especialmente em termos de investigação. “A gente aprende muito com essas tragédias. Infelizmente, é um aprendizado com dor, mas ele faz a lição fixar melhor na prevenção”, acrescenta.

Aprendizado
Além de mudanças pontuais no sistema de tráfego aéreo, parentes das vítimas esperam que os órgãos governamentais tenham entendido que é necessário atender bem as pessoas nesses momentos. A psicóloga Neusa Machado, que perdeu o marido, Valdomiro Machado, no acidente, conta que um dos principais problemas foi a atenção das autoridades. “A gente vivia implorando para que nos recebessem e só nos recebiam quando eram pressionados. O que mais nos fez sofrer foi realmente o descaso das autoridades em nos dar apoio. Fora o Cenipa e o Ministério Público, que nos ajudaram muito, o resto, ninguém. Direitos humanos, ninguém.”

Tia de Átila Assad, também morto no acidente, Salma Assad acredita que a sociedade ficou mais atenta aos seus direitos depois da tragédia. “Virou um marco na vida de todos nós. Como cidadãos, temos que levantar a cabeça, engolir seco, buscar saber com quem falar e exigir. Se as autoridades estão ali para isso, têm que descer do pedestal. Não é ficar dentro de uma sala olhando papéis, não”, comenta.

Procurada, a Gol preferiu não comentar o assunto e enviou uma nota, em que presta solidariedade aos familiares das vítimas. “Nesses 10 anos, carregamos o nosso pesar e solidariedade aos familiares e amigos das vítimas do acidente com o voo 1907 em 29 de setembro de 2006. Essa data será para sempre lembrada por nós com profunda tristeza.”


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