Judiciário

Vítima de racismo no trabalho, auxiliar de cozinha ganha na Justiça direito a receber indenização

Segundo TJPE, sentença condenou cozinheiro a fazer pagamento por causa de danos morais

Publicado em: 07/05/2024 12:58 | Atualizado em: 07/05/2024 13:15

TJPE condenou cozinheiro  (Foto: Arquivo )
TJPE condenou cozinheiro (Foto: Arquivo )
Uma auxiliar de cozinha ganhou na Justiça pernambucana o direito a receber uma indenização por ter sido vítima de ofensas racistas no ambiente de trabalho. 
 
A 6ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça de Pernambuco (TJPE) condenou, de forma unânime, um cozinheiro a pagar a ela R$ 10 mil por de dano moral.
 
Segundo o TJPE, o homem ofendeu a auxiliar de cozinha com "comentários obscenos e racistas", enquanto trabalhavam em um restaurante em Santo Amaro, no Centro do Recife.
 
 As ofensas ocorreram na frente de outros funcionários durante horário de trabalho, em  2015. 

Julgamento
 
o TJPE  julgou a apelação 0028282-84.2018.8.17.2001, interposto pela vítima ofendida, no início do ano, em 31 de janeiro de 2024. 
O relator do recurso foi o desembargador Gabriel de Oliveira Cavalcanti Filho. 
 
Também participaram do julgamento os desembargadores Antônio Fernando Araújo Martins e Marcio Fernando de Aguiar Silva.

Condenação
 
A condenação na esfera cível foi a segunda do mesmo réu. 
Na esfera penal, o mesmo fato foi julgado como injúria racial.
 
O mesmo homem  foi condenado a dois anos de reclusão no processo 0014593-27.2016.8.17.0001, com trânsito em julgado em 18 de novembro de 2020.
 
Inicialmente, houve condenação em sentença da 6ª Vara Criminal da Capital. 
 
Em seguida, a 2ª Câmara Criminal do TJPE julgou a apelação do réu e manteve a condenação, reduzindo apenas a pena inicial, que tinha sido de 2 anos e 8 meses de reclusão e pagamento de 100 dias-multa.

Os autos

Nos autos da ação criminal e da própria apelação cível, constam provas de que o réu ofendia, constantemente, a funcionária de quem era superior, "com termos racistas, além de outros palavrões e palavras de baixo calão'. 
 
Isso tudo ocorria diante de outros funcionários do restaurante, ferindo a dignidade e o decoro da vítima.

Avaliação
 
De acordo com o desembargador Gabriel de Oliveira Cavalcanti Filho, a condenação na esfera criminal já transitada em julgado é prova suficiente dos fatos e da dor sofrida pela vítima. 
 
“Não cabe mais qualquer discussão em relação ao dever de J. M. D. P. indenizar a ofendida M. D. C. S., pois a sentença penal condenatória, por si só, é suficiente para provar os fatos trazidos na inicial, razão pela qual tenho como preenchido o primeiro requisito. Em caso como o dos autos, em que houve injúria racial, tenho como certo que o dano sofrido pela apelante é presumido, isto é, in re ipsa, pois o fato por si só já é suficiente para demonstrar a dor vivenciada pela vítima. Aliado a isso, o Código Penal traz o dever de reparação civil por parte do ofensor e torna certa a obrigação de indenizar civilmente a vítima por qualquer crime sofrido”, esclareceu o relator no voto.
 
Constituição


A Constituição Federal de 1988 e o Código Penal Brasileiro fundamentaram a decisão da 6ª Câmara Cível. “Aliado a isso, o Código Penal traz o dever de reparação civil por parte do ofensor e torna certa a obrigação de indenizar civilmente a vítima por qualquer crime sofrido. Vejamos: Art. 91 – São efeitos da condenação: I – tornar certa a obrigação de indenizar o dano causado pelo crime; Ademais, a prática de atos de teor racista é atitude demasiadamente reprovável que deve ser repelida com ímpeto pelo Judiciário. Com efeito, a própria Constituição Federal busca repelir atos ligados à discriminação racial e punir com os praticantes de tais atos, sendo certo que, nos termos do art. 5º, XLII, da CF, o racismo é um dos poucos crimes com previsão de imprescritibilidade no ordenamento constitucional brasileiro. Cabe, portanto, ao Estado, diante de condutas dessa natureza, reconhecer à apelante o seu direito à reparação civil na função compensatória, isto é, por meio de indenização porquanto não é mais possível trazer a vítima para o estado anterior de coisas”, descreveu o desembargador Gabriel Cavalcanti.

Gravidade
 
O valor arbitrado a título de dano moral levou em conta a gravidade das ofensas. 
 
“No caso, ponderando sobre a situação econômica do causador do dano, identifico ser tratar-se de um cozinheiro não se podendo dizer que se trata de uma pessoa de grandes posses. Por outro lado, o grau de culpa se demonstra elevado, não tendo o causador do dano tomado nenhuma providência para diminuir a dor sofrida pela vítima. (....) A situação econômica da vítima se assemelhava à do causador do dano na época do evento danoso porquanto ambos trabalhavam no restaurante onde o fato ocorreu, razão pela qual ela também é uma pessoa de poucas posses. Em casos semelhantes esta Corte de Justiça já se posicionou a respeito, fixando indenização no valor de R$ 10.000,00”, analisou o relator no julgamento.

O desembargador Gabriel Cavalcanti citou, em seu voto, processos julgados no Superior Tribunal de Justiça (STJ) e no Tribunal de Justiça de Pernambuco (TJPE), com destaque para o recurso especial nº 1829682 SP 2019/0100719-8, de relatoria do ministro Ricardo Villas Bôas Cueva, do STJ; a apelação nº 00006936120148171580, de relatoria do desembargador Frederico Ricardo de Almeida Neves, do TJPE; a apelação nº 00030867220188172370, de relatoria do desembargador Bartolomeu Bueno, do TJPE; e a apelação nº 00308720520168172001, de relatoria do desembargador Fábio Eugênio Dantas de Oliveira Lima.

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