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200anos
TRADIÇÃO MASCATE

Tradição comercial e a autonomia do Recife como centro econômico de Pernambuco

Em 200 anos, o Recife conseguiu estabelecer a sua economia tendo o comércio como um dos principais vetores

Thatiany Lucena

Publicado: 07/11/2025 às 00:10

Guerra dos Mascates: Recife como centro econômico/ARQUIVO DP

Guerra dos Mascates: Recife como centro econômico (ARQUIVO DP)

Desde a elevação da cidade como capital de Pernambuco, o Recife tem mantido uma tradição comercial que foi fortalecida a partir do final da Guerra dos Mascates, em 1711 - que mudou a condição econômica da cidade -, e tem a atividade como um dos seus principais setores até os dias atuais.

O historiador e professor da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), Gustavo Acioli explica que já a partir do início da sua história, o Recife sempre teve vocação para o comércio.

“A cidade surge como porto para Olinda, mas aos poucos vai emergindo a partir da ocupação holandesa. Com o fim do controle dos holandeses, o Recife se firma como um centro de exportações e importações de Pernambuco e essa capacidade vai se confirmando e se consolidando ao longo dos anos”.

Herança da Guerra dos Mascates

O professor explica que a autonomia do comércio do Recife carrega uma herança da Guerra dos Mascates, ocorrida entre 1710 e 1711. Segundo ele, a batalha foi responsável por estabelecer o Recife como o centro econômico da capitania.

Naquela época, havia uma divisão das elites de Pernambuco em dois partidos, um favorável ao Recife e o outro a Olinda. O partido de Olinda era formado, em sua maioria, pelos senhores de engenho. Já o do Recife era composto pelos comerciantes. Os embates entre os dois grupos causaram o conflito armado.

Com a vitória dos Mascates, o Recife se estabeleceu como vila, confirmada pela coroa portuguesa, consolidando a sua posição como centro econômico da capitania.

“Além do impacto momentâneo, o Recife se consolidou definitivamente como centro econômico porque, até então, ele era juridicamente subordinado a Olinda”, disse Acioli.

Embora a Guerra dos Mascates tenha acontecido de 1710 a 1711, o termo “Mascates”, para se referir aos trabalhadores portugueses do comércio ambulante na época, permaneceu sendo usado nas páginas do Diario de Pernambuco por, no mínimo, mais de um século depois. Nas edições da década de 1850, o jornal publicava em suas edições o balanço de receitas da Câmara do Recife com os impostos aplicados aos considerados “mascates”, mostrando a importância dessa categoria para a sociedade e economia local.

De acordo com Acioli, com o crescimento do comércio no Recife ficava ainda mais evidente o próprio crescimento da cidade, não só da área portuária, mas no entorno, como nos bairros de Santo Antônio, São José, depois da Boa Vista. “Isso sempre esteve ligado ao comércio, não só de importação e exportação, mas ao comércio de varejo que tinha desde o final do século 17 em diante”, explica.

A alta movimentação comercial na área central do Recife também ficava evidente na demanda por moradia nas páginas de anúncios no Diario. No caderno de “Pequenos anúncios”, da edição de 4 de junho de 1960, o jornal publicava mais de uma coluna de opções de aluguel de quartos ou casas no bairro da Boa Vista. Em um dos trechos dedicados a moradias no bairro de São José, o anúncio se refere a comerciantes. “Em casa de um casal, aluga-se um quarto na rua da Concórdia 733 a casal sem filhos, rapaz ou moça do comércio”, descreve.

Queda da indústria têxtil no Recife

O historiador conta que entre o final do século 19 e meados do século 20, a indústria têxtil tinha um certo destaque no Recife, em Olinda e Paulista. “Nos últimos 200 anos, o comércio passou a ser um ponto central da da economia do Recife, ainda que economicamente o estado tenha tido um um declínio econômico nesse período.

"Nos últimos 200 anos, o comércio passou a ser um ponto central da da economia do Recife". Gustavo Acioli, historiador

Ele destaca que isso aconteceu ao mesmo tempo que o setor industrial no Recife e na Região Metropolitana não conseguia se manter. “O que restou daquela produção fabril, industrial é muito pouco. Hoje a produção industrial fica mais localizada na Região Metropolitana, em Igarassu, Abreu e Lima, Jaboatão e Cabo de Santo Agostinho, mas no Recife não restou muita coisa”, disse.

Segundo ele, a crise da indústria também acontecia em outras capitais do Brasil. “O Recife seguiu uma tendência nacional, quando se tornou mais caro produzir na capital por causa do custo mais elevado dos aluguéis e das terras.“

Na edição de 26 de dezembro de 1982, na página de economia e finanças, o Diario publicava a matéria com o título "Estado preocupa empresários" que citava a falta de condições portuárias de Pernambuco para permitir o maior fluxo de exportações do estado, que perdia competitividade para Fortaleza e Santos.

Na mesma página, na coluna “Informativo econômico", de Marco Aurélio de Alcântara, traz uma análise do empresário e político "em recesso", Miguelito Santos, que menciona a "deterioração econômica - o caso têxtil". Na análise, o empresário relatava que, com a crise no setor, a solução seria "fechar ou liquidar", como ocorreu, segundo ele, com o Cotonifício da Torre. Ele relata ainda que das 22 fábricas que existiam, nove foram desativadas, três estavam em fase de desativação e 10 com produção reduzida.

Açúcar e algodão

O economista e professor de história econômica no Centro Acadêmico do Agreste (CAA) da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), André Martins, destaca que, por muito tempo, o açúcar e o algodão moviam a economia de Pernambuco, com base no comércio exterior. “No século 19, dois produtos de exportação, o açúcar, o velho açúcar e o algodão, que chega como uma novidade que se dinamiza muito nessa época e faz com que algumas regiões da então província, futuro estado de Pernambuco, despontem, nesse caso é o Agreste”. Ele explica que a região não tinha condições ecológicas, ambientais e climáticas para comportar uma cultura canavieira.

Martins detalha que, ao longo do século 19, o eixo dinâmico da economia brasileira seria deslocado do Nordeste para o Sudeste, porque o café passava a ser o grande produto de exportação do país. Além de ser o grande financiador, inclusive da industrialização e das ferrovias.

Segundo o professor, no começo do século 20 ocorre a transição do trabalho escravo para o trabalho assalariado. No caso de Pernambuco, ainda de forma lenta, já que muitos ex-escravizados da cana permaneceram no mundo rural ou migraram para as cidades, sem perspectivas. Em paralelo, acontece a transição do engenho para usina e o modelo que se consolida é a indústria do açúcar.

Essa mudança no modelo de trabalho também ficou marcada nas páginas do Diario. No “primeiro caderno” da edição de 10 de janeiro de 1970, em uma matéria que menciona os esforços dos trabalhadores da indústria pelos direitos trabalhistas.

“O delegado regional do Trabalho, sr. Romildo Leite anunciou que agirá com rigor contra os engenhos que não pagarem o 13º mês aos seus trabalhadores, conforme denúncias que vem recebendo do Sindicato dos Trabalhadores na Indústria do Açúcar no Estado de Pernambuco”. A reportagem cita ainda os nomes de cinco engenhos e as possíveis penas, como a proibição de retirar dinheiro nos bancos e multa de até 50% sobre o débito salarial.

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O Ministro do Comércio da China, Wang Wentao, participa de uma coletiva de imprensa do Comitê Central do Partido Comunista da China (PCC) em Pequim, em 24 de outubro de 2025. (Foto de Pedro PARDO / AFP)
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