Uma forte e diversificada economia
Diario viu a monocultura virar indústria e viu planos gigantescos saírem do papel. O resultado é a força de uma matriz econômica consistente
Publicado: 07/11/2025 às 00:09
Paulo Câmara e Dilma Rousseff, na inauguração da Jeep: "carona" no desenvolvimento ( Paulo Paiva/DP FOTO)
A história da matriz econômica de Pernambuco se confunde com a do próprio estado e a do Brasil. As primeiras mudas de cana-de-açúcar chegaram ao país logo após o descobrimento, trazidas por Martim Affonso de Souza em 1532. E se o local escolhido para a plantação inicial foi a capitania de São Vicente, hoje parte do litoral entre São Paulo e Rio de Janeiro, a capitania de Pernambuco logo depois também iniciou o seu desenvolvimento a partir da cultura da cana e a expansão dos engenhos de açúcar.
Portanto, a partir da fundação do Diario, o jornalismo econômico destinada ao público geral teve a indústria sucroalcooleira como uma das suas principais pautas. No início do século 20, mais precisamente em 1901, as páginas do jornal traziam os valores praticados no mercado por 15 quilos de açúcar. A edição de 19 de março de 1950 chamava a atenção para o fim da safra que apresentou um “decréscimo calculado de 1.600.000 sacos, aproximadamente”.
Mais à frente, em 5 de agosto de 1990, uma matéria do DP anunciava: “A Zona da Mata Norte de Pernambuco deve apresentar uma acentuada queda de produção da safra canavieira 90/91... Em compensação, a outra região produtora, a Mata Sul, vai compensar essa perda com um significativo aumento de safra”. A cobertura cotidiana da produção de açúcar e, posteriormente, alcooleira, refletia a importância do setor. Mas, essa participação diminuiu à medida que as usinas fecharam suas portas.
Das já existentes, hoje, segundo o Sindicato das Indústrias do Açúcar de Pernambuco (Sindaçúcar), há 12 associadas em operação na safra 2024/2025. “O país implantou uma agricultura de cana-de-açúcar e produção de álcool mais competitiva no Sudeste e Centro-Oeste, então perdemos competitividade. As indústrias daqui não foram capazes de se modernizar, tanto que, no final do século passado, perdemos metade do tecido industrial que a gente tinha. Metade das usinas fecharam”, analisa a economista que acompanha o desenvolvimento do estado desde a década de 1960, Tânia Bacelar.
""Foi uma ousadia do empresariado pernambucano porque fez avicultura sem ter milho"". Tânia Bacelar, economista
Paralelamente, outros fenômenos produtivos foram acontecendo no estado. É o caso do Sertão do São Francisco onde, segundo Tânia, houve uma mudança no modelo do Semiárido tradicional e uma aposta, por parte de empresários locais na produção de uva. Após a consolidação dessa cultura, começou a produção do vinho. “Você tem hoje um polo que é competitivo internacionalmente na fruticultura”. Tudo isso a partir da metade do século 20.
Ainda no Sertão, mas do Araripe, surge o polo gesseiro de Araripina – que responde por 95 % do gesso produzido no Brasil. Mesmo com dificuldades de escoamento da produção, feito ainda por meio rodoviário, e pouca inovação na produção, o polo conta, em dados de 2022, com mais de 500 empresas.
Na mesma região, Pernambuco viu nascer uma cultura forte: o algodão. O produto chegou a ser considerado o ouro branco do Nordeste e, em partes do Sertão, foi cultivado dentro de um sistema de policultura junto com a criação de gado. No entanto, de acordo com Tânia, a falta de competitividade e, principalmente, a praga do bicudo, levaram ao fim do algodão pernambucano. Recentemente, um convênio entre a Empresa de Pesquisa Agropecuária de Pernambuco (IPA) e a Embrapa iniciaram o plantio experimental de algodão.
Outro fenômeno que Tânia faz questão de exaltar é o da produção avícola. “Eu sempre digo que foi uma ousadia do empresariado pernambucano porque fez a avicultura sem ter o milho. O principal alimento da agricultura é o milho. Então, tinha um elemento de não competitividade que era ter que importar o milho”, conta. “E fizeram isso com muita competência porque trouxeram milho do Centro-Oeste e mantiveram um complexo que é muito competitivo”.
“O debate contemporâneo da economia do semiárido é muito diferente do debate que eu conheci no final do século passado. Porque hoje a gente discute a flora do Semiárido. O Semiárido era, para nós, aquele solo rachado. As plantas não eram tão valorizadas. A botânica nunca foi muito desenvolvida para olhar para as nossas plantas. E hoje a academia e a as empresas, elas estão olhando para cobertura vegetal do semiárido que já deu fruto e vai dar mais ainda. Um exemplo são as plantas que produzem fármacos” complementa a economista ao falar do Sertão. “As nossas bisavós, as nossas avós e os indígenas conheciam as plantas. É uma história que vem de lá de trás. Ela tá sendo revisitada e tende a ganhar força. A indústria farmacêutica do Brasil começa a perceber esse potencial de exploração e também a indústria da perfumaria”.
INDÚSTRIA
No século 21, Pernambuco passa por um processo ainda mais rápido de industrialização. Foi em 28 de abril de 2015 que o estado vivenciou o que esperava há décadas, com a inauguração da primeira fábrica automotiva: hoje, Stellantis, em Goiana. Anos antes, em 1999, o então governo Jarbas Vasconcelos tinha oferecido benefícios fiscais para atrair uma unidade da Ford – que tinha fechado no Rio Grande do Sul e buscava nova localização. Na disputa, levou a melhor a Bahia, onde a planta ficou até 2021.
No dia seguinte à inauguração, que teve a presença da então presidente da República, Dilma Rousseff; e do então governador Paulo Câmara, o Diario de Pernambuco noticiava o fato com um título bastante apropriado “De Carona com o Desenvolvimento” e uma foto dos dois políticos juntos no primeiro carro. Um fato também noticiado, naquela edição de 10 anos atrás, foi de que a presidente teria anunciado também a liberação para a construção do Arco Metropolitano que segue, até hoje, no papel.
Nesse processo de diversificação, Tânia fala sobre essas mudanças sobre um ponto de vista bastante emblemático: “A cana perdeu força nas duas Zonas da Mata. E, hoje, ambas abrigam complexos industriais: o de Suape, no Sul, e o de Goiana, no Norte”, ressalta ela, referindo-se ao Complexo Industrial e Portuário de Suape e ao Polo Automotivo, respectivamente. “Na Mata Norte, tem também diversas indústrias de bebidas, de vidro, entre outras. São indústrias novas, de ponta e competitivas em nível nacional”.
E TEM SUAPE
O Porto de Suape estava pronto no momento em que houve uma desconcentração industrial do eixo Sul-Sudeste para outras regiões do país. Hoje, é complexo com cerca de 100 unidades industriais; dentre elas, outro objeto de desejo da economia pernambucana: uma refinaria de petróleo.
“O dia que entrará para a história de Pernambuco amanheceu chuvoso. Mas o mau tempo não impediu que às 10h20, num gesto simbólico, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva operasse a primeira retroescavadeira a rasgar o solo de onde brotará a Refinaria Abreu e Lima. A construção que consumirá US$ 4,05 bilhões e foi acalentada durante cinco décadas estava oficialmente iniciada”, trazia o Diario em sua edição do dia 5 de setembro de 2007 – um dia após a ida de Lula à Suape, recebido pelo então governador Eduardo Campos.
A mesma edição lembrou que, em 1964, no mês de agosto, o então “governador de Pernambuco, Paulo Guerra, foi até o presidente da República, Castelo Branco e pleiteou oficialmente a instalação de uma refinaria no estado”. Campanhas para a instalação de uma refinaria de petróleo do Pernambuco ocorriam de tempos em tempos – sempre com a expectativa de que a instalação causaria uma revolução no estado. E foi a parceria Lula/Eduardo que viabilizou o projeto, na opinião da economista. “A decisão política foi muito importante. Pernambuco sempre se reinventou, mas nunca teve força política para trazer uma refinaria”, lembra Tânia.
O início da sua operação só começou em 2014, com o primeiro conjunto de unidades (Trem 1). De lá para cá, a unidade vivenciou alguns momentos de crise, inclusive, por conta das denúncias de corrupção. Agora, a Rnest, como é conhecida, voltou a operar e a Petrobras concluiu, recentemente, todas as contratações para o início das obras do Trem 2 – que deve ser concluído em 2029.
Esses grandes investimentos tiveram a participação fundamental da gestão pública. “A gente tem uma participação da política pública muito forte para atrair tudo isso. Tanto do ponto de vista tributário, como de estrutura também. A gente soube usar bem os incentivos. Pernambuco tem uma estrutura que garantiu que essas indústrias pudessem se instalar. A infraestrutura portuária foi importantíssima”.
Para quem acompanhou as mudanças econômicas e políticas de Pernambuco dos últimos 60 anos, a economista Tânia Bacelar faz uma análise: “O traço principal que eu acho da economia de Pernambuco é a diversidade regional. Do Sertão à Região Metropolitana, são realidades diferentes, não dá para ler Pernambuco com a visão superficial. Ou a gente mergulha na realidade da diversidade ou a gente não vai entender o que acontece aqui. Isso é uma coisa boa e garante uma matriz econômica, hoje, muito mais diversificada que havia 100 anos atrás”.