Maestro Duda completa 90 anos regendo a folia
Nesta terça-feira (23), o Maestro Duda chega aos 90 anos de idade trazendo na bagagem um dos mais importantes legados do frevo.
Publicado: 23/12/2025 às 09:00
Maestro Duda aos 90 anos de idade. (Crysli Viana/DP Foto)
O fim do ano chegou com muitos compromissos sociais para José Urcisino da Silva, o Maestro Duda. Por conta dos seus 90 anos, completos nesta terça-feira (23), o pernambucano vem se preparando para homenagens, como a da Orquestra Sinfônica do Recife, através da Prefeitura da Cidade, a do Tribunal de Justiça de Pernambuco, e a das bandas Saboeira e Curica, através da Prefeitura de Goiana, que já aconteceram até então.
Entre uma agenda e outra, a reportagem o encontrou em casa em uma quarta-feira ociosa. Descansando em uma cadeira de balanço, o músico olhava preocupado para os pés inchados. “Não sei como vou para essas homenagens que tenho de ir de paletó, mas não posso calçar o sapato”, comentou.
Desde que sofreu um AVC em janeiro de 2022, restaram algumas sequelas, como a dificuldade de movimento do lado direito do corpo, que elevaram seu custo de vida. “Homenagem tem muita, mas também estou precisando que as autoridades do Recife e de Pernambuco nos ajudem pelo menos com fisioterapia e remédios”, explicou ele, que vive sozinho com a esposa, Cremilda Carneiro - a cantora Mida - de 89 anos. “Dia desses, a gente tinha que sair para uma homenagem de manhã e eu disse para ela se ajeitar logo, mas é preciso que eu a ajude, assim como também preciso dela”, disse, evidenciando a necessidade de suporte durante o dia a dia.
O desejo é pequeno perto do tanto que Duda já contribuiu para a cultura pernambucana. Seu nome está cravado, principalmente, na história do frevo e é exaltado por Alceu Valença em gravações de alguns clássicos do gênero, como “Bom Demais”. A amizade entre os dois começou em 1969, quando Alceu pediu para o Maestro fazer o arranjo da música “Acalanto para Isabela”, que foi posteriormente classificada para o IV Festival Internacional da Canção, no Rio de Janeiro, onde o cantor assumiu pela primeira vez os vocais de uma música. “Ele só fazia música pros outros cantarem, dizia que não tinha ritmo. Aí dessa vez eu disse: eu dou o ritmo na frente e você canta”, lembra.
Trajetória
A lista de artistas que cruzaram o caminho do Maestro é imensa e conta com vários outros nomes fundamentais para a cultura pernambucana. Para começar, o músico iniciou sua formação musical aos 10 anos de idade na tradicional banda Saboeira da cidade de Goiana, na Mata Norte de Pernambuco, onde nasceu. Aos 14 anos, mudou-se para o Recife para tocar Sax na Jazz Band Acadêmica, criada por ninguém menos que Capiba. Ao lado de Duda também tocavam Chacrinha, na bateria, e Fernando Lobo, como cantor do mesmo grupo.
A partir dessa experiência, o Maestro chegou à Rádio Jornal e, posteriormente, à TV Jornal do Commercio. Pouco depois, também passou a trabalhar na orquestra fixa dos estúdios da Fábrica de Discos Rozenblit, que tinha o músico e compositor Nelson Ferreira como diretor musical. “Ele dava as ordens e eu cumpria. Era quem organizava os músicos todos, era o braço direito dele”, explica.
Lá, gravou ou arranjou músicas dos compositores mais célebres do frevo, como os próprios Capiba e Nelson Ferreira, além de Edgard Moraes, Zumba, Felinho, Lourival de Oliveira, entre outros. Até mesmo o cubano Bienvenido Granda ganhou arranjos do Maestro quando gravou na Rozenblit, em 1957.
Dez anos depois, mudou-se para São Paulo para trabalhar na recém-inaugurada TV Bandeirantes. “Até 1969, fiz muita coisa lá. Fiz até trilha sonora de filmes dos Trapalhões e direção musical do Programa de Francisco Petrônio”, lembra. Ao retornar para o Recife, criou a sua própria orquestra e gravou composições autorais que vão da valsa ao frevo. Dentre elas, alguns títulos entraram para o repertório da folia, como “Nino Pernambuquinho”, e outras são amplamente tocadas por bandas sinfônicas do mundo todo, como a “Suíte Monette”. Curiosamente, a única dele que não tem frevo.
“Acho que 80% das músicas que tocam no carnaval tem arranjos meus ou é composição minha”, calcula. Sempre requisitado para dar o “sabor do frevo” em diversos projetos ligados ao gênero, o Maestro foi responsável por arranjos emblemáticos, como os de “Frevo Mulher”, no sexto volume do projeto “Asas da América”, de 1989, deixando em segundo plano o galope gravado primeiramente por Amelinha, em 1979.
Mesmo músicas que entraram para o repertório do frevo recentemente, como “Ciranda de Maluco”, do cantor Otto, tem dedo de Duda. A canção, originalmente gravada como música eletrônica, em 1998, entrou no projeto “Frevo do Mundo”, de 2020, contando com arranjos do Maestro e hoje marca um dos momentos mais animados nos cortejos de carnaval. É a prova de que nas ruas de Recife e Olinda, seu legado não envelhece.
Mais frevo
Anunciado como uma das atrações do Carnaval do Recife de 2026, o Maestro Duda recebeu a notícia com surpresa, mas sem espanto. O músico não esperava participar da programação deste ano, porém, como sempre marcou presença nos palcos da folia nas últimas décadas, o repertório da sua orquestra segue tinindo. A única preocupação é a locomoção até o show.
“Os músicos que tocam comigo são os mesmos há 50 anos”, esclarece, indicando que o show já está ensaiado. No entanto, há uma nota de pesar na voz do Maestro, que revela esse dado como um reflexo da falta de novos frevos. Até os anos de 1980, o cenário era diferente e a cada ano os músicos precisavam renovar o repertório.
“Existiam gravadoras que lançavam frevos novos logo depois do São João. Em dezembro, os discos começavam a tocar nas rádios e na televisão, hoje não existe mais isso. Como é que o povo vai tocar uma música nova se ninguém sabe?”, questiona. Para ele, a circulação das músicas na internet ainda não é o suficiente para colocar novas composições na boca do povo e ele sente isso na prática: neste mês, Duda recebeu apenas R$ 74 reais do Ecad pela execução de suas músicas. “E tem mês que é só R$ 20, R$ 30”, comenta rindo.
O Maestro avalia o cenário com a autoridade de quem acumula títulos de reconhecimento pela sua atuação no frevo há mais de 70 anos. Entre eles estão o de Patrimônio Vivo de Pernambuco, em 2010; Comendador da Ordem dos Guararapes, concedido pelo ex-governador Eduardo Campos, em 2013; Melhor Compositor de Banda Sinfônica, dado pela Funarte, em 2018; e Doutor Honoris Causa pela UFPE, em 2024.