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LANÇAMENTO

Novo disco reúne composições inéditas de Hermeto Pascoal para flauta

Entre 1982 e 1985, Hermeto Pascoal escreveu dezenas de peças para flauta que nunca foram lançadas. Material inédito integra agora o primeiro volume da série Obra Viva, lançado nesta quarta-feira (10).

Pedro Ferrer - Esp. Diario

Publicado: 10/12/2025 às 12:00

Hermeto Pascoal faleceu em setembro deste ano, deixando um importante legado para o jazz brasileiro. /Teresa Maia/DP Foto

Hermeto Pascoal faleceu em setembro deste ano, deixando um importante legado para o jazz brasileiro. (Teresa Maia/DP Foto)

Em reverência à monumental obra de Hermeto Pascoal, que nos deixou no último dia 13 de setembro, a série Obra Viva, dedicada a registrar composições inéditas ou pouco exploradas do gênio alagoano, será lançada nesta quarta-feira. O primeiro título, Vol. 1: Flautas, reúne peças escritas entre 1982 e 1985 e ganha as plataformas digitais e edição em vinil pela gravadora Rocinante, idealizadora do projeto.

Com direção e produção musical assinadas por Bernardo Ramos e direção artística de Sylvio Fraga, o álbum reúne um time de flautistas profundamente ligados ao universo hermetiano: Aline Gonçalves, Andrea Ernest Dias, Carlos Malta, Eduardo Neves e Marcelo Martins. O grupo ganha ainda o reforço de Marcelo Galter (no piano) e Rafael Rocha (trombone), expandindo a paleta tímbrica concebida para o álbum.

Segundo Sylvio, da Rocinante, a semente da série Obra Viva surgiu quando ele teve acesso ao vasto arquivo de partituras de Hermeto, digitalizado por Felipe José. Entre tantos manuscritos, duas obras o atravessaram de forma decisiva. “Quando percebi que havia muita peça para flauta, e lembrando do quão extraordinárias são Auriana e Vou esperar, decidi começar por esse instrumento. Antes de conhecer os arquivos, meu amor por essas músicas gerava apenas o desejo meio abstrato de conhecer mais obras do Hermeto como essas”, conta Sylvio ao Viver.

A série Obra Viva abre espaço para um lado menos conhecido da produção do compositor: a escrita para pequenas formações. Para Sylvio, iluminar esse recorte é fundamental. “É colocar essas obras-primas no mundo. Não podemos ter 30 peças para flautas escritas pelo Hermeto escondidas em pedaços de papel. Essa parte mais camerística só aumenta a genialidade dele. Os quartetos de flauta estão, na minha visão, à altura dos grandes quartetos de corda da história da música”, afirma.

O acervo revela a profundidade com que Hermeto dominava o instrumento central em sua trajetória. O próprio Jovino Santos Neto, ex-integrante de seu lendário grupo e organizador do acervo, reforça: “Ele conhece profundamente todos os recursos e limites da flauta”. Grande parte das peças encontradas no acervo não tinha título. A solução foi criar títulos descritivos.

O processo de escolha das obras seguiu um critério muito particular: “Juntamos tudo que encontramos para flautas e fomos testando nos ensaios. O critério foi o nosso espanto diante do som, da beleza”, relata Sylvio. A abundância de peças para o instrumento, muito superior à dedicada a qualquer outro, explica o foco do volume inaugural.

Entre os músicos reunidos para o projeto, um nome carrega um vínculo especial: Carlos Malta, integrante do grupo de Hermeto por mais de uma década. “No caso do Malta, ele tinha ainda a memória muscular de algumas das peças. Escolhemos esses flautistas justamente por terem a linguagem dele no DNA. Isso não se ensina. Não há partitura nem direção que coloque isso numa pessoa”, garante Sylvio. A direção musical de Bernardo Ramos foi essencial para traduzir os manuscritos em interpretações vivas e coerentes. Muitas partituras não traziam marcações de expressão ou articulação — terreno fértil para o trabalho cuidadoso de Ramos com os intérpretes.

A capa do álbum traz justamente uma escultura do artista sergipano Véio, conectando visualmente o disco às raízes agrestes que marcam a obra de Hermeto. As formações do álbum vão do duo ao decteto, reafirmando a fluidez entre o erudito e o popular, um território onde Hermeto sempre reinou absoluto. É o mesmo compositor que, em Amigo Sion recorre a uma escrita coral suave, enquanto no brevíssimo Quarteto de Flautas e Trombone n.º 2 exige polirritmias quase impraticáveis.

Para Jovino Santos Neto, que testemunhou de perto a criação das obras agora registradas, o sentimento é duplo: “É um prazer enorme ouvi-las de novo — e um alívio tremendo por saber que esse legado vai ser preservado para as gerações futuras”, festeja. A série Obra Viva está apenas começando. Sobre os próximos passos, Sylvio Fraga mantém o mistério, mas confirma que a jornada continua: “Já estamos trabalhando no segundo volume. E digo mais: não digo nada”, encerra, com o humor típico do homenageado.

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