Estilista Eduardo Ferreira levou o Recife para as passarelas
Cansado de ver a sua cidade desfilar roupas que não lhe cabiam, Eduardo Ferreira costurou sua própria moda inspirada no movimento manguebeat
Publicado: 05/07/2025 às 00:00

Estilista Eduardo Ferreira (Foto: Marina Torres/DP Foto)
As grandes capitais da moda são quase sempre as mesmas: Paris, Milão, Londres e Nova Iorque. Mas, nos anos 1990, o Recife também entrou na rota. O responsável foi Eduardo Ferreira, estilista que mostrou ser possível criar aqui uma passarela tão potente quanto as internacionais, só que carregada de tradições e símbolos pernambucanos. Assim nasceu o “mangue fashion”, inspirado pela mesma rebeldia estética e social que transformou o manguebeat em um movimento cultural.
Mas a relação de Eduardo com a estética e a cultura popular vem de muito antes, ainda nas memórias de infância. Mesmo sendo analfabeta, sua mãe costurava enxovais inteiros, e assim descobriu que as cores e os tecidos também eram formas de contar quem se é — e de onde se vem. Nos arredores de casa, em uma comunidade ribeirinha da Caxangá, as vizinhas, muitas delas do candomblé, estendiam roupas volumosas, rendadas, brilhantes e coloridas, preparadas para as celebrações em reverência às iabás e aos orixás. “Aquilo me causou um impacto visual que me acompanha até hoje”, recorda ele, em conversa com o Viver.
Nos anos 1980, a leitura do romance Homens e Caranguejos, de Josué de Castro, deixou nele uma marca definitiva. “A questão social virou um tema muito caro para mim”, destaca. O princípio da simbiose, no qual todas as formas de vida dependem umas das outras, transcendeu seu contexto biológico e se transformou na matriz criativa da sua primeira peça, criada para um concurso que revelava novos talentos da moda.
Depois, foi para o Rio de Janeiro, onde trabalhou na Rede Manchete, assinando figurinos da novela Carmem (1987-88), e fez estágio na TV Globo, no seriado Armação Ilimitada (1985-88), dirigido por Guel Arraes. Por razões familiares, retornou ao Recife e trabalhou com Beto Guerra por quatro anos, período em que aprendeu todas as etapas de confecção e produção de desfiles. Mas, depois de assistir a um dos primeiros shows de Chico Science e Nação Zumbi, pediu demissão. “Eu vi, naquela mistura do moderno com a tradição, a síntese do que eu queria para a minha roupa”, frisa.
Na tentativa de criar sua própria linguagem, Eduardo também queria vestir o Recife, suas cores, tradições e símbolos, em cada peça. “Nos desfiles realizados aqui, havia muita cópia do que vinha da Europa. Muitas vezes, as roupas nem combinavam com o nosso clima”, relembra. Foi desse incômodo que surgiu a coleção batizada de Mangue Fashion, um vestuário autoral que ia além dos figurinos de Chico Science ou da forma como a juventude se vestia na época, marcada pelas influências grunge e streetwear.
Após conquistar espaço nas principais revistas de moda do Brasil e do mundo, e desfilar em eventos de peso como o Phytoervas Fashion, Eduardo passou a ser visto como parte do movimento manguebeat, um rótulo com o qual ele não concorda. “Qualquer estilista que tivesse o privilégio de nascer e conviver no Recife, naquele exato momento, inevitavelmente levaria aquela efervescência toda para o seu trabalho. E foi isso que eu fiz”, explica.
Ele criou alguns figurinos para Chico, que tiveram grande repercussão e chegaram, inclusive, às páginas do New York Times. Depois, os dois se aproximaram e haviam marcado um almoço para o dia seguinte ao fatídico 2 de fevereiro de 1997, data da morte do cantor. “Sentia que estava conquistando a confiança dele, porque sempre levei a moda para além da estética, como expressão de cultura e identidade. E isso, aos poucos, estava sendo reconhecido”, destaca Eduardo, que também trabalhou com outros nomes da cena, como Mundo Livre S/A, Mestre Ambrósio e Cannibal. Até hoje, segue colaborando com artistas remanescentes e da nova geração, a exemplo de Almério.
Fiel à sua trajetória, Eduardo lançou recentemente a coleção Samba do Godê Pavão, criada em parceria com o grupo Coco Raízes de Arcoverde, unindo referências da cultura indígena e do cotidiano.“Minha leitura de moda nunca foi voltada para o comércio. É sobre cultura, sobre o reflexo cultural e, principalmente, trazer benefícios para todos. Fazer com que a sociedade cresça através da moda”, reforça. Desse modo, enquanto a indústria fabrica tendências, Eduardo cria legados.

