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PADROEIRA DE RECIFE

Entre o título oficial e a devoção popular: quem é a padroeira do Recife?

A escolha oficial de Nossa Senhora do Carmo como padroeira da cidade remonta ao século XIX, quando a devoção popular cresceu a ponto de mobilizar a população a pedir formalmente o reconhecimento à Igreja

Larissa Aguiar

Publicado: 16/07/2025 às 06:14

Nossa Senhora do Carmo/Rafael Vieira

Nossa Senhora do Carmo (Rafael Vieira)

O dia 16 de julho é celebrado em homenagem a Nossa Senhora do Carmo, a padroeira oficial da cidade do Recife; no entanto, ainda há uma parcela significativa da população que acredita que a verdadeira padroeira é Nossa Senhora da Conceição, uma vez que a Festa do Morro atrai milhares de fiéis. A confusão, comum entre recifenses, reflete não apenas o peso histórico das duas devoções marianas mais populares da capital, como também uma relação afetiva e cultural que atravessa gerações e que vai além da liturgia.

A escolha oficial de Nossa Senhora do Carmo como padroeira da cidade remonta ao século XIX, quando a devoção popular cresceu a ponto de mobilizar a população a pedir formalmente o reconhecimento à Igreja. Frei Cidmário Bezerra, reitor da Basílica do Carmo, explica que o processo começou com o povo. “As pessoas se reuniam no pátio no dia 16 de julho para celebrar a data. A devoção foi crescendo tanto que o próprio povo pediu aos frades para levar esse desejo ao bispo da época, e o bispo solicitou ao Vaticano o título de padroeira para Nossa Senhora do Carmo”, conta o frei.

Com apoio popular comprovado por livros de assinaturas enviados ao Vaticano, o título foi concedido. Ainda assim, Santo Antônio permaneceu com a titularidade de padroeiro principal, tanto da cidade quanto do estado. Nossa Senhora do Carmo tornou-se, assim, a “padroeira menos principal”, termo curioso, mas que, segundo Frei Cidmário, não deve ser lido como hierarquia. “No culto católico, Maria precede todos os santos. Então, ela é de igual importância. Tanto que, em 1909, foi coroada canonicamente como Rainha do Recife e de Pernambuco”, afirma.

Apesar da oficialidade a tradicional Festa do Morro, dedicada a Nossa Senhora da Conceição, embora não tenha o título de padroeira outorgado formalmente pela Igreja, a Imaculada Conceição é considerada, por muitos, a “padroeira afetiva” da cidade.

Para Frei Cidmário, essa afetividade não é exclusividade de uma imagem ou título. “É a nossa forma de expressar amor a Maria. A mesma Maria do Carmo, da Conceição ou de Nazaré é a mesma mãe. É só uma forma diferente. Não há competição, há devoção”, explica.

A diferença entre as celebrações, no entanto, é litúrgica: o dia 8 de dezembro, data da Festa do Morro, celebra o dogma da Imaculada Conceição, reconhecido pela Igreja desde 1854, que afirma que Maria foi concebida sem pecado original. Já o dia 16 de julho é dedicado a Nossa Senhora do Carmo, padroeira dos carmelitas, considerada Mãe e Rainha do Carmelo.

Além da devoção, elementos culturais também ajudam a construir a imagem das santas no imaginário popular. O sincretismo religioso, muito presente no Recife, também deixa sua marca. “Nossa Senhora da Conceição é associada à cor azul, e Nossa Senhora do Carmo à amarela. Isso tem relação com outros modos de cultos que em que essas mesmas cores rementem a outras figuras”, explica o reitor.

A fé, segundo ele, é o que une tudo isso. “O que faz alguém sair de casa, enfrentar filas, vir à Basílica desde a madrugada, é a fé. Maria é o canal. A graça é Jesus. As pessoas vêm a Maria para chegar ao filho”, resume.

E nessa rede de santos que povoam o coração do recifense, ainda há espaço para Santo Antônio, santo popular das festas juninas e também padroeiro oficial da cidade. “Santo Antônio é muito querido no Nordeste. As pessoas se encantam com suas histórias, com sua simplicidade, e veem nele um modelo de vida”, diz Frei Cidmário.

No fim das contas, Recife parece ter o coração grande o suficiente para acolher tantos nomes santos. Entre o dogma e a devoção, o título e o afeto, o recifense celebra Maria sob todas as suas formas, no alto do morro, na Basílica, nas procissões, nas missas, nas ruas. Afinal, como lembra o reitor, “é a mesma mãe, com diferentes nomes”.

 

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