Assaltos a ônibus no Recife persistem e mantêm clima de medo entre usuários
Casos de assaltos e agressões, como o de um enfermeiro esfaqueado, evidenciam os riscos enfrentados diariamente por motoristas e passageiros
Publicado: 26/05/2025 às 06:00

De janeiro a abril deste ano, 52 assaltos a ônibus foram registrados no Grande Recife (Foto: Marina Torres/DP Foto)
O que era para ser apenas mais uma noite de volta para casa terminou em terror para um enfermeiro de 49 anos no Recife. Ele foi brutalmente esfaqueado dentro de um ônibus, em plena Avenida Domingos Ferreira, no bairro de Boa Viagem, durante uma tentativa de assalto. O crime, ocorrido na última semana, expôs com crueldade a vulnerabilidade de quem depende do transporte público na capital pernambucana.
Em depoimento à polícia, o motorista do veículo, Flávio do Monte, relatou que estava fazendo a Linha 440 CDU-Caxangá quando dois homens entraram no ônibus e tentaram roubar o celular de um dos passageiros, que reagiu e foi esfaqueado diversas vezes na cabeça.
De janeiro a abril deste ano, 52 assaltos a ônibus foram registrados na Região Metropolitana, segundo dados preliminares da Gerência Geral de Análise Criminal e Estatística (GGACE) da Secretaria de Defesa Social (SDS). Apesar da redução de mais de 25% em relação ao mesmo período de 2024, quando houve 70 ocorrências, a sensação de insegurança persiste entre os usuários do sistema.
Durante o dia, no primeiro quadrimestre deste ano, foram contabilizados 13 dos 52 assaltos. A maior parte, no entanto, segue ocorrendo à noite e de madrugada, com 31 casos no período. Em 2024, o número total de assaltos a ônibus chegou a 229, sendo 176 deles no turno noturno. O caso envolvendo o enfermeiro ocorreu por volta das 20h13 e entra para as estatísticas do turno mais perigoso.
No Recife, a insegurança tem se tornado uma realidade constante na vida dos motoristas de ônibus, que diariamente saem para trabalhar sem a certeza de que voltarão em segurança para suas casas. A profissão, que já exige atenção redobrada no trânsito, paciência no trato com os passageiros e resistência a longas jornadas, agora carrega também o peso do medo e da vulnerabilidade.
Os relatos de assaltos são frequentes. Em muitas linhas, os criminosos se aproveitam de trechos mais isolados ou de horários com menor fluxo de pessoas para agir, muitas vezes sob grave ameaça, colocando em risco não apenas os motoristas, mas também cobradores e passageiros.
Além disso, os apedrejamentos a ônibus são outro fator que intensifica o clima de insegurança. Veículos são alvos de vândalos que ficam inconformados quando não podem subir no veículo sem pagar ou são reprimidos de alguma maneira.
A motorista de ônibus Gilvanusa Alves da Silva, de 56 anos, atua na área há 22 anos nos coletivos e já sofreu alguns assaltos, principalmente quando era cobradora. O caso mais recente aconteceu na terça-feira (20), quando um assaltante entrou no ônibus que ela estava dirigindo, quando passava pela Avenida Agamenon Magalhães, no Derby, na área central do Recife.
Ela relata que, na ocasião, o criminoso puxou o colar de um dos passageiros, que pulou do veículo para recuperar o item, mas caiu e quebrou a clavícula. Gilvanusa prestou uma queixa na delegacia e chamou o Samu para atender a vítima. Esse foi só um dos 16 assaltos que a motorista presenciou no trabalho.
“Nós trabalhamos de costas para os passageiros. Às vezes, não sabemos o que é que está se passando dentro do ônibus. Quando a gente vem saber da real situação, já tem acontecido, o malandro já tem descido e, infelizmente, a gente não pode fazer mais nada. Quando tinha o cobrador, ainda intimidava mais [os assaltantes]”, complementa Gilvanusa.
Em outro episódio ela chegou a sair ferida. “Eu sofri uma agressão quando eu estava fazendo a linha de Xambá/Getúlio Vargas e seis maloqueiros se penduraram na porta e eu parei o ônibus umas três vezes pedi para eles entrarem. Eles entraram desconfiados de mim, depois desceram e começaram a apedrejar o carro e uma das pedras entrou e bateu na minha boca. Foi horrível. O ônibus estava cheio e eles tinham descido direto para a orla. Eu não tive que fazer e fui para o hospital com a boca muito inchada”, relembra.
O motorista Alexandre Gomes, de 47 anos, também passou por um episódio parecido no último mês. Ele estava saindo do Terminal Integrado Joana Bezerra com destino para o TI Xambá, na Zona Norte, quando um criminoso entrou no ônibus, se passando por um passageiro comum.
“Ele subiu e ficou naquela primeira cadeira do ônibus. Perguntei se era a primeira vez dele no ônibus daqui e ele disse que sim. Ficava olhando para trás, e eu fiquei desconfiado. Em um determinado momento, ele perguntou se eu já tava ligado no que estava acontecendo e me mostrou a arma. Ele disse que só queria a renda, mas eu só tinha uma passagem, e ele levou meu celular”, conta Alexandre.
Outro dado que chama atenção é o número de roubos a transeuntes em paradas de ônibus: foram 111 casos de janeiro a abril deste ano, contra 113 no mesmo intervalo do ano anterior, uma diferença de menos de 2%. No acumulado de 2024, foram 363 ocorrências. Diante desses dados, muitos motoristas sentem-se encurralados por terem que parar em locais inseguros.
“Existe uma norma estabelecida pelo Grande Recife de que não se pode queimar parada. A orientação que a gente sempre dá para o motorista é que ele tenha cuidado e que ele possa fazer a parte dele com segurança. Se ele sentir que algo coloca em risco a vida dele ou dos usuários, é bom que ele, infelizmente, não pare naquela parada em que deveria”, destaca o presidente do Sindicato dos Rodoviários de Pernambuco, Roberto Carlos.
Ele ainda destaca que os criminosos não são mais atraídos pelo valor do caixa do ônibus e que o foco, muitas vezes, são os passageiros. “Os bandidos hoje, por incrível que pareça, estão migrando para dentro do ônibus. Não é mais por conta do dinheiro e sim pelos pertences dos passageiros, como o celular. Todo mundo tem um celular.”
A equipe de reportagem do Diario de Pernambuco circulou por corredores viários movimentados da capital pernambucana, como a Avenida Dantas Barreto e a Avenida Guararapes, ambas na área central, e constatou a insegurança dos passageiros que, mesmo aguardando os ônibus em paradas cheias, sentem-se inseguros.
A agente de call center Eduarda Soares, de 27 anos, trabalha há oito meses no Centro e relata que precisou mudar de horário para pegar ônibus mais cedo na volta para casa. Ela conta que dois assaltos envolvendo funcionárias da empresa onde trabalha chamaram a atenção dos passageiros recentemente.
“Há oito meses que eu trabalho aqui no Centro da cidade, e há oito meses que eu não vejo uma viatura da polícia. Em um mês, teve dois assaltos com funcionárias da empresa. O primeiro, no começo do mês, aconteceu quando um homem roubou o iPhone dela e, quando a namorada reagiu, levou um empurrão e caiu com o rosto no chão. Ontem, na quarta-feira (21), puxaram uma peixeira para outra funcionária. Aqui no Centro está um caos, e eu e minha amiga estamos largando mais cedo por conta desses assaltos”, complementa Eduarda, que pega ônibus diariamente na Avenida Dantas Barreto, nas proximidades da Basílica de Nossa Senhora do Carmo.
Enquanto entrevistava a passageira, a equipe do Diario foi aconselhada diversas vezes, por diferentes passageiros, a redobrar o cuidado com os equipamentos, uma vez que os furtos e roubos na localidade eram frequentes.
Na Avenida Guararapes, o cenário não é diferente. Passageiros acumulados em diferentes paradas, mas com insegurança. As mochilas na parte da frente do corpo, celulares guardados nos bolsos e o receio de qualquer abordagem mostram o medo na volta para casa a partir das 18h.
“Já vi vários casos de assalto por aqui. Na semana passada, meu amigo, que trabalha na mesma empresa que eu, foi assaltado quando voltava para casa. O cara estava com uma faca e pedindo comida. Como meu amigo não tinha, levaram dinheiro dele. A gente fica com medo da situação porque a gente não tem segurança aqui, infelizmente. Poderia melhorar o policiamento. Trabalho há dois anos aqui no Centro e já presenciei uns 10 assaltos”, conta a gente de call center Elaine Cristina, de 35 anos.
Em resposta à criminalidade no setor, a SDS destaca ações como a Operação Transporte Seguro, que realiza abordagens diárias em coletivos e paradas de ônibus, e a Operação Medina, voltada para combater práticas como vandalismo e “surf” em ônibus durante finais de semana e eventos. Além disso, a Força-Tarefa Coletivos analisa o perfil dos crimes e identifica padrões para orientar ações de combate mais eficazes.
A pasta ainda destaca que, das 570 mil viagens realizadas por mês pelo Sistema de Transporte Metropolitano, 46 registros de roubos a ônibus ocorreram em abril do ano passado, caindo para 30 ocorrências no mesmo período deste ano.
“Uma das coisas que eu vou bater na tecla novamente, que em toda audiência pública eu tenho repetido, é que, quando nós tínhamos aquelas blitz de abordagem dos veículos, era maravilhoso. Aquilo funcionava. Até porque, na abordagem, qualquer indivíduo que estivesse com mandado de prisão era identificado”, afirma o presidente do sindicato, Roberto Carlos.

