Impeachment de Alexandre de Moraes exigido pela oposição enfrenta obstáculos jurídicos
Especialistas consultados pelo Diario apontam que o impeachment de ministro do STF não está previsto explicitamente na Constituição e que há riscos de distorções
Publicado: 07/08/2025 às 02:03

Ministro do Supremo Tribunal Federal Alexandre de Moraes (Foto: EVARISTO SA / AFP)
Motivada pelo decreto de prisão domiciliar de Jair Bolsonaro, determinada pelo ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Alexandre de Moraes, a oposição ocupou as mesas diretoras do Senado e da Câmara, exigindo, entre outras pautas, o impeachment do ministro.
A proposta de afastamento de Alexandre de Moraes, no entanto, enfrenta obstáculos políticos e jurídicos, segundo avaliam especialistas ouvidos pelo Diario.
De acordo com o advogado e cientista político Felipe Ferreira Lima, o impeachment de ministros do STF é previsto na Constituição, embora não explicitamente, e envolve uma combinação delicada entre fundamentos legais e viabilidade política.
“Qualquer ministro do STF pode ser alvo de um pedido de impeachment. Ocorre que o impeachment é um processo muito mais político do que jurídico”, diz.
Previsão legal
Lima ainda menciona o artigo 52 da Constituição, que dispõe sobre as competências privativas do Senado Federal, como embasamento jurídico para um pedido de afastamento de um ministro do STF. Neste artigo, está a prerrogativa dos senadores de processar e julgar ministros do Supremo.
“No artigo 52 (da Constituição), inciso 2, não aparece a palavra 'impeachment' - nem 'impedimento', em português. O texto fala em processar e julgar ministros do STF por crime de responsabilidade, o que pode levar ao impeachment. Ou seja, ele não usa a palavra 'impeachment' de forma explícita, mas está se referindo ao procedimento que leva a ele", completa o especialista.
A lei 1.079, de 1950, é a que define quais são os crimes de responsabilidade para ministros do STF. A norma é a mesma que trata do impeachment de presidentes da República.
Lima aponta que a lista de crimes de responsabilidade inclui abuso de poder ou conduta incompatível com o cargo, e acrescenta que o êxito da iniciativa depende sobretudo da correlação de forças no Congresso. “Se a oposição conseguir ganhar um fôlego de robustez para influenciar os outros senadores, sobretudo do Centrão, eles podem chegar a um resultado interessante”, avalia.
Segundo o especialista, a participação dos presidentes das Casas Legislativas será determinante para qualquer avanço. “Somente eles podem pautar o impeachment. É uma prerrogativa do presidente e um gesto político que marca a anuência do Congresso”, afirma.
Cenário indefinido
Por ora, o avanço do pedido de impeachment depende de fatores ainda incertos. Como destaca Felipe Ferreira Lima, “a visão ainda está muito turva para saber se o processo pode avançar”.
Embora a oposição tenha mobilização popular e presença ativa no Congresso, não há maioria consolidada no Senado para viabilizar a tramitação. E o presidente do Senado, Davi Alcolumbre, ainda não se pronunciou oficialmente sobre o pedido.
Risco de distorções
Para o advogado e professor André Costa, doutor em Direito pela Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), a oposição tenta reinterpretar de forma elástica o conceito de crime de responsabilidade para sustentar o pedido contra Moraes.
“É imprescindível um requisito jurídico, tem que tipificar o crime. E aí é esse requisito que eles vão tentar adaptar”, explica.
Além disso, os especialistas alertam que, apesar do espaço para tensionamento político, o instrumento do impeachment deve respeitar os limites constitucionais. “Não se pode transformar uma crise institucional em pretexto para o uso distorcido de ferramentas legais. O Supremo deve ser respeitado dentro de suas competências, e não atacado por decisões que desagradem politicamente”, finaliza Costa.
Instrumentalização do processo
Ele alerta que a movimentação pode criar desgastes dentro da base aliada do governo e causar rupturas institucionais. “Isso tensiona a harmonia entre os Poderes e pode fragilizar o que a Constituição estabelece como Estado Democrático de Direito”, diz.
Na avaliação de Costa, o uso do impeachment como instrumento de pressão política contra decisões judiciais representa um desvio de finalidade.
“O que é importante observar é a instrumentalização que se faz do procedimento de impeachment. Qualquer decisão judicial pode e deve ser questionada, mas isso não deslegitima a possibilidade do ministro proferi-la”, afirma.
Felipe Ferreira Lima acrescenta ainda que, caso não haja maioria consolidada, o simples debate público sobre o impeachment já rende ganhos simbólicos à oposição. “Só a ideia e a abertura do processo já é um ganho político, porque consegue potencializar a narrativa para as eleições de 2026”, completa.
Narrativa estratégica
Ambos os especialistas enxergam nas ações da oposição uma tentativa de consolidar capital político em meio ao enfraquecimento de sua principal liderança. Para Costa, o movimento da oposição tenta amplificar o impacto político da prisão domiciliar de Bolsonaro.
“A expectativa é que isso continue a pautar o ambiente político, as ruas, para fazer desse momento um fato preponderantemente político”, analisa.
Segundo ele, a retórica antissistema impulsionada pelo grupo opositor cria um paradoxo: “Defendem pautas antidemocráticas nas Casas Legislativas que foram chanceladas pelo voto. Isso é uma incongruência grave”.

