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Política
SÃO JOÃO

Mais de 60 prefeitos subiram ao palco durante shows no período de São João em Pernambuco

Postura pode ser classificada como promoção pessoal indevida

Jorge Cosme

Publicado: 06/08/2025 às 08:00

Wesley Safadão e o prefeito de Surubim./Foto: Reprodução/Instagram

Wesley Safadão e o prefeito de Surubim. (Foto: Reprodução/Instagram)

Ao menos 67 prefeitos de Pernambuco subiram ao palco durante shows no período de São João deste ano, o que pode ser classificado como promoção pessoal indevida e descumprimento do princípio da impessoalidade. As aparições vão desde fotos com o público ao fundo a serem convidados pelos artistas para o palco, tocarem zabumba e dançarem.

Não há vedação expressa na Constituição à participação de prefeitos em eventos públicos. No entanto, essa conduta pode ser interpretada como violação ao princípio da impessoalidade, caso caracterize promoção pessoal indevida, o que ensejaria responsabilização por improbidade administrativa ou em processo instaurado pelo Tribunal de Contas.

O levantamento foi feito pelo Diario de Pernambuco com base em publicações nas páginas dos prefeitos e das prefeituras no Instagram. O resultado indica que um a cada três prefeitos subiram ao palco. Entre os casos estão as cidades de Jaboatão dos Guararapes, Petrolina, Caruaru e Arcoverde.

Os números também consideram eventos que ocorreram durante o período de maio a julho e que não são oficialmente juninos, como festivais, festas de emancipação e datas comemorativas específicas das cidades.

Auditoria

É o caso, por exemplo, de Garanhuns, no Agreste de Pernambuco. Durante o tradicional Festival de Inverno de Garanhuns (FIG), o prefeito Sivaldo Albino (PSB) subiu repetidas vezes ao palco.

Em uma das ocasiões, no palco Mestre Dominguinhos, o principal do festival, o prefeito participou do show de Anderson Neiff, para confirmar a apresentação do artista na próxima edição, de 2026.

Após o episódio, o Tribunal de Contas do Estado de Pernambuco (TCE-PE), abriu auditoria especial para apurar suposta violação do princípio da impessoalidade pelo gestor. "Tal conduta do gestor pode configurar, em tese, promoção pessoal indevida, mediante a utilização de evento público", diz o documento assinado pelo procurador do Ministério Público de Contas (MPCO) Cristiano da Paixão Pimentel.

Ele também afirma que a conduta de Albino "pode evidenciar, em tese, a promoção de sua imagem pessoal, o que é explicitamente vedado pelo princípio da impessoalidade".

 

Wesley Safadão

Dos seis maiores cachês deste São João em Pernambuco, cinco foram para o cantor Wesley Safadão, segundo dados do Painel de Transparência dos Festejos Juninos, compilado pelo Ministério Público de Pernambuco (MPPE).

Ele fez seis shows no estado entre 7 e 27 de junho. Em ao menos quatro dessas apresentações, ele convidou o prefeito da respectiva cidade ao palco.

"Faz barulho para o prefeito dessa cidade aqui, esse cara é gente boa, fazendo sempre o melhor para vocês", declarou o artista ao lado do prefeito Helinho Aragão (PSD), de Santa Cruz do Capibaribe, no Agreste, em 22 de junho.

"Ano que vem, a primeira atração do São João da Moda 2026 é Wesley Safadão", anunciou Helinho em seguida para um público recorde, segundo a prefeitura.

Em Araripina, no Sertão, a interação foi semelhante. "Você é um cara gente boa, um cara tranquilaço, um cara da resenha, mas a gente escuta falar muito bem sobre o trabalho que você vem realizando", fala Safadão na apresentação de 27 de junho ao lado do prefeito Evilásio Mateus (PDT).

"A pedido da população, quem quer Wesley Safadão aí em 26 de junho de 2026? (...) Já estou assinando a convocação", declarou Evilásio após o afago.

A assessoria de imprensa de Wesley Safadão declara ao Diario de Pernambuco que o artista trata todos bem e que nunca vai negar a subida de alguém ao palco. "Também ele não pode mandar no que alguém vai falar, seja lá quem for", diz.

Questionada sobre o fato de Wesley ser quem convoca o prefeito ao palco, a assessoria argumenta que ele faz como forma de agradecimento por ter sido chamado para participar do evento. A equipe do cantor também informou que não há nos contratos qualquer cláusula determinando que ele deva chamar o prefeito durante o show.

Caráter educativo e informacional

Em Águas Belas, no Agreste, o prefeito Elton Martins (Republicanos) não aparece em cima do palco, mas interage com o cantor Fabinho Testado, que serve ao gestor goles de uísque Buchanan’s Deluxe e conhaque Dreher.

“Rapaz, nunca vi acontecer isso, viu? Um prefeito vim para cá pro meio comigo. É diferente, não são todos. Tem que respeitar”, diz Fabinho Testado ao lado do prefeito e cercado pela população durante seu show.

Em Salgueiro, no Sertão, o gestor Fabinho Lisandro (PSD) tocou zabumba durante apresentação de Felipão e Forró Moral, em 20 de junho. Enquanto em Glória do Goitá, na Mata Norte, o prefeito Jaime Lima (PODE) colocou os óculos Juliet de lente amarelada e dançou passinho com Os Tralhas.

Segundo o advogado Felipe Salathé, mestre em direito público pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ), não existe vedação explícita na Constituição à participação de um prefeito em evento público, mas ela precisa ter um caráter educativo e informacional.

A falta de legislação específica faz com que a análise sobre possíveis irregularidades seja subjetiva e de caso a caso. "Geralmente, você subir ao palco não é ilícito, mas esse ato público precisa ser analisado no caso concreto, porque vai depender muito mais do tom que o sujeito tiver quando se comunicar com as pessoas", explica o pesquisador.

"Se ele subir ao palco e simplesmente agradecer e for embora, não tem tanto problema. Agora, se ele sobe, começa a falar que foi ele que organizou e não o município, que o município pode fazer mais nesse sentido se ele for reeleito, então esse tipo de coisa começa a ganhar contornos de ilegalidade”, acrescenta Salathé.

“Se em algum momento se perceber que houve um desvio para autopromoção, para promoção de amigo, esposa, ou algo do tipo, aí existe a possibilidade de responsabilização".

Respostas

O Gabinete do prefeito Sivaldo Albino, de Garanhuns, destacou em nota que não recebeu cautelar emitida pelo TCE que o proibisse de subir ao palco do evento, "e o fez compreendendo que é prerrogativa constitucional de um prefeito a divulgação de seu município e defesa de seus eventos".

Segundo a nota, a participação de Sivaldo no FIG difere da de outros municípios, "que ganharam contornos político-eleitorais, inclusive em nível estadual". O texto não cita a quais cidades faz referência.

O prefeito Elton Martins, de Águas Belas, conversou com o Diario de Pernambuco e reforçou que não subiu ao palco. "Eu estava no meio do povo. Ele [Fabinho Testado] veio para o meio do povo. Tem uma diferença", defende.

"Como gestor, a gente tem que saber se comportar para não fazer promoção pessoal. Agora, a gente tem também, de certa forma, de não deixar de não ser reconhecido pelo trabalho que está fazendo, se esforçando tanto, economizando dinheiro, promovendo cultura, levando renda e investimento para o município. É uma coisa muito subjetiva no sentido de você saber se comportar", ele diz.

A reportagem não conseguiu posicionamento das prefeituras de Araripina, Salgueiro e Glória do Goitá.

Confira a lista de prefeitos que subiram ao palco durante os eventos do período de São João:

Mano Medeiros (PL), Jaboatão dos Guararapes;
Simão Durando (UB), Petrolina;
Rodrigo Pinheiro (PSD), Caruaru;
Lula Cabral (Solidariedade), Cabo de Santo Agostinho;
Sivaldo Albino (PSB), Garanhuns;
Helinho Aragão (PSD), Santa Cruz do Capibaribe;
Padre Joselito (Avante), Gravatá;
Evilásio Mateus (PDT), Araripina;
Gilvandro Estrela (UB), Belo Jardim;
Zeca Cavalcanti (PODE), Arcoverde;
Cleber Chaparral (UB), Surubim;
Fabinho Lisandro (PSD), Salgueiro;
Lucielle Laurentino, Bezerros (UB);
Orlando Jorge (PODE), Limoeiro;
Dr. Edézio (PV), Bom Conselho;
Sergio Colin (MDB), Toritama;
Carlinhos da Pedreira (PP), Barreiros;
Manoel da Retífica (PODE), Sirinhaém;
Josafá Almeida (PRD), São Caetano;
Pedro Freitas (PP), Aliança;
Armando Pimentel (PV), Itambé;
Junior Pinto (PSD), Exu;
Fredson Brito (Republicanos), São José do Egito;
Aninha da Ferbom (PSD), Nazaré da Mata;
Galego de Nanai (Avante), Cabrobó;
Rorró Maniçoba (PP), Floresta;
Nivaldo Martins Tirri (Republicanos), Caetés;
Jaime Lima (PODE), Glória do Goitá;
Silvestre (PSD), Passira;
Eder Walter (PSD), Vicência;
Elias Meu Fii (PSD), Pombos;
Albino (PP), Condado;
Wilson Lima (PP), São João;
Carrapicho Honorato (Republicanos), Tamandaré;
Eduardo Lira (UB), Cupira;
Biu Abreu (PSD), Orobó;
Joel Gonzaga (PSD), Feira Nova;
Sandro Corrêa (Avante), Chã Grande;
Gilberto Ribeiro (PSB), Flores;
Duguinha (PSD), São Joaquim do Monte;
Dimas Natanael (PSD), Lagoa de Itaenga;
Mucio Angelim (PP), Parnamirim;
Nego do Mercado (PSD), Capoeiras;
Araújo (Avante), Amaraji;
Sóstenes Rubano (PSD), Camocim de São Félix;
Rivanda Freire Lima (PSD), Jupi;
Zé Roberto (PSB), Ferreiros;
Luciano Bonfim (PSD), Triunfo;
Dr. Evaldo Bezerra (PSB), Mirandiba;
Jeyson Falcão (PSB), Primavera;
Aline Karina (PSB), Itapetim;
Júnior de Rivaldo (PSD), Saloá;
Henrique Queiroz (PP), Buenos Aires;
Elizinho (PSD), Carnaubeira da Penha;
Diogo Lima (PSD), Barra de Guabiraba;
Juarez da Banana (PSD), Machados;
Zé Elias Filho (PP), Calçado;
Dr. Pedro Alves (PSD), Iguaracy;
Riva Bezerra (PSD), Cedro;
Guilherme Vasconcelos (PSD), Poção;
Delson Lustosa (PODE), Santa Terezinha;
Fátima Borba (PSD), Cortês;
Ridete Pellegrino (PSD), Jaqueira;
Diógenes Patriota (PSD), Tuparetama;
Gilson Bento (Republicanos), Brejinho;
Arnóbio Gomes (Republicanos), Terezinha;
Juninho Cantarelli (PSB), Itacuruba.

 

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