Religião

Padre Romeu: o porto seguro da comunidade

Em 57 anos à frente da Paróquia da Torre, padre Romeu agiu além das paredes da igreja e mudou a vida de suas ovelhas

Publicado em: 09/06/2018 12:03 | Atualizado em: 09/06/2018 12:12

 (Rodrigo Silva/Esp.DP)
Rodrigo Silva/Esp.DP
A história de Padre Romeu da Fonte se confunde com a história da Torre. Por onde se anda no bairro, fala-se dele. Seja nas ruas de prédios sofisticados ou nos endereços pobres. A explicação vem do relacionamento do sacerdote com o lugar. Em 57 anos à frente da Paróquia local, dedicada a Nossa Senhora do Rosário, padre Romeu, 89 anos, não só casou e batizou. Agiu além das quatro paredes da igreja. Juntou-se aos paroquianos, erguendo escola e ambulatório e estruturando projetos de assistência a jovens e a idosos. “Se tivesse que escolher para onde ir, eu não iria para outra paróquia senão a da Torre”, afirmou, como se sentenciasse o próprio destino.

Ele tem razões em querer destino semelhante. Com fama de exigente, o que é, a história do recifense, nascido na Várzea, cruza com a de centenas de pessoas. A começar pelo número de irmãos. Ele é o sétimo de uma família de 16 filhos. Desses, sete vivos. Impossível não observar e aprender a dividir dentro da casa de dona Sylvia Gusmão da Fonte, a mãe, e seu Eugênio Cardoso da Fonte, o pai.  A realidade da Torre exigiu dele o mesmo espírito. Quando se mudou para a Torre, em 1961, as casas eram quase todas de taipa, incluindo a paroquial, onde foi morar. “Parte era de taipa, parte de tijolo”, relembrou.

Ao pisar na paróquia, orou, mas sofreu com a indiferença.  A situação da igreja refletia a da comunidade. Ao sacerdote cabiam as tarefas básicas do templo, pois não havia dinheiro. Celebrava. Antes, varria a igreja, arrumava os altares, produzia velas. Ainda hoje fabrica velas. Das finas aos círios, que são velas grandes, abençoadas nas vigílias do Sábado de Aleluia. “Nestas, coloco perfume e cera de abelha”. E destina zelo parecido em relação às pessoas, próximas ou não. Cobra qualidade, empenho, no que se deve fazer, mas afaga, brinca, falando a muitos com a experiência de quem os viu crescer.

A designer Suzana Wanderley, 61, está entre as pessoas próximas ao padre. Aos 6 anos fez a primeira comunhão com ele. Adulta, teve o casamento celebrado também por ele. Vieram os quatro filhos. Todos batizados pelo sacerdote. Agora são os netos de Suzana a receber as bênçãos. “Sem ele não seria que sou”, confessa. Além dos laços religiosos, os dois têm duradouros laços afetivos. Durante anos, a casa dos pais de Suzana, Glória de Lourdes e Manoel Morais Wanderley, era um dos destinos escolhidos por padre Romeu para dar felicitações natalinas e de Ano Novo. Retrata essa ligação, a pintura que a designer fez do padre. “Esse sou eu, com 2 anos”, revelou o sacerdote diante do quadro.

Com tanto tempo em uma só paróquia, padre Romeu constrói facilmente a cronologia da Torre. Lista os primeiros edifícios a ultrapassarem a marca dos dois pavimentos, as ruas abertas. “A Torre era ilhada. Só ônibus passava nas estradas”, revelou. Nas enchentes do Capibaribe, nem ônibus. A maior delas foi em 1975. As áreas baixas do bairro ficaram alagadas, sendo vistos, à distância, somente os telhados. O resgate das pessoas era feito por cordas. A igreja se tornou abrigo de dezenas de famílias e a sobrevivência delas dependeu de campanhas. E o bairro que era pobre se tornou ainda mais. “A Torre era paupérrima”. Realidade modificada nas últimas décadas, período em que se ampliou o templo católico, de 1867.

O tempo não mudou as convicções do sacerdote. Ele continua a rotina de confissões. Não mais no confessionário e sim no centro paroquial e sem o tapume de madeira entrelaçada ou perfurado a separar confessor e confidente. Dá-se cara a cara.  “Venho me confessar pela atenção que recebo”, disse o universitário Adriano Soares.  A percepção do padre do que lhe rodeia continua ligada a essa relação de fé e às questões sociais. A violência o inquieta. Do mesmo modo, a timidez de ações governamentais para mudar o quadro. “Se houvesse melhor educação e emprego, a realidade seria diferente”, sintetiza o pároco, que recebeu de dom Helder Camara o título de vigário-colado. Ou melhor, inamovível. Ali ele pretende ficar até o fim dos seus dias.

“Quando cheguei à Paróquia da Torre, aos  32 anos, a igreja não tinha sacristão nem dinheiro. Antes de celebrar as missas, eu varria o templo, preparava o altar. Até as velas eu confeccionava, o que faço até hoje”
Padre Romeu, pároco da Torre

Um século e meio de devoção a nossa senhora 

Templo erguido em 1867, quando Pernambuco ainda era uma província integrante do Império, passou por algumas reformulações ao longo de seus 151 anos de existência, mas manteve suas principais características. Entre elas está a devoção a Nossa Senhora do Rosário, padroeira da Paróquia da Torre, que é representada em um vitral na nave principal da igreja
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