Idepe Ex-agricultor e atual doutor em linguística é exemplo de perseverança para os alunos da Etepam Escola Técnica Estadual Professor Agamenon Magalhães ficou em segundo lugar no Idepe na Região Metropolitana do Recife

Por: Marcionila Teixeira - Diário de Pernambuco

Publicado em: 29/09/2016 07:47 Atualizado em:

A fala do professor Edgar Carvalho, 35 anos, ecoa poderosa nas salas de aula do 3º ano do Ensino Médio. Na unidade pública onde ele ensina com exclusividade, as bancas escolares são tomadas por filhos de empregadas domésticas, de comerciários, de feirantes. Edgar dá aulas de literatura, redação e gramática. Vai além. Empodera os jovens ouvintes contando a própria história de vida. Fala sobre a importância das escolhas diante da imperativa falta de oportunidades para todos. Fala sobre transgredir contextos previsíveis.
Edgar ensina, há quatro anos, a 140 alunos de quatro turmas da Escola Técnica Estadual Professor Agamenon Magalhães (Etepam), no Recife. Escolheu ser professor quando fazia Ensino Médio e por isso partiu para o magistério. Depois vieram a licenciatura em letras em Arcoverde, no Sertão; o concurso público para o estado, em 2005; e o doutorado em linguística, em curso na Universidade Federal de Pernambuco (UFPE). O caminho não foi fácil. Mas não estamos falando de meritocracia ou de vocação, como sustenta o próprio Edgar.
Aos sete anos, ele foi empurrado para a agricultura para ajudar no sustento da casa onde vivia com os pais e uma irmã, em Poção, no Agreste. Não teve escolha. Na mesma época, foi lançado pela primeira vez em uma sala de aula, sem ter a menor noção de leitura e escrita. Precisava estudar e trabalhar ao mesmo tempo. Mais uma vez, não houve escolha para o menino. Aos 15, foi operário em uma fábrica de arte e rendas. Mas aí Edgar iniciou o processo de dizer não a um percurso previsto para pessoas sem boas oportunidades como ele. Decidiu seguir o magistério.
“A gente que nasce pobre precisa romper com um universo que te diz não o tempo inteiro. É possível mudar, mas é claro que esse caminho não é fácil. Acredito que as escolhas que fazemos vão definindo quem nós somos, entre erros e acertos. Não creio em mérito ou vocação. Me considero uma pessoa comum, mas falo para eles que se eu consegui, eles também conseguem. Nasci em um meio em que teoricamente estava fadado a reproduzir a história de minha família. Disse não. Resolvi ampliar meus horizontes”, reflete.
Os alunos escutam. Aprendem o discurso do professor que um dia foi agricultor e filho de uma “escrava branca”. Quando tinha 12 anos, a mãe de Edgar foi entregue a uma família rica de Poção para trabalhar. Permaneceu explorada, sem pagamento e muitas vezes com fome, até os 23 anos, quando deixou a “senzala” para casar. “Minha mãe sempre me disse para estudar para não passar pelo que ela passou”, lembra.
Para os jovens estudantes, o terceiro ano é um claro momento de escolhas. Principalmente as profissionais. Mais uma vez é hora de refletir sobre o futuro. E Edgar, que escolheu continuar sua carreira de mestre simplesmente por gostar do que faz, alerta para os discursos limitantes da vocação. “Dizer a um aluno que ele tem vocação, que ele nasceu para fazer determinado trabalho, tira dele o direito de escolher”, reflete.
O professor trabalha associando língua e discurso no doutorado na UFPE. Acredita no poder da fala e da escrita na construção dos sentidos. Questiona, por exemplo, a mensagem de que no interior os estudantes estão isolados no meio do mato e, como não têm o que fazer, vão estudar, por isso apresentam melhores resultados nos estudos do que o pessoal da capital. “Não gosto de alimentar a imagem do interior como lugar atrasado e da capital como lugar de gente que não estuda. Isso é mentira”.
Na terça-feira passada, momentos antes da divulgação dos números do Índice de Desenvolvimento da Educação de Pernambuco (Idepe), que destacou o desempenho de escolas do interior e colocou a Etepam em segundo lugar entre as melhores escolas da Região Metropolitana do Recife, as salas onde Edgar dá aula estavam silenciosas. Era dia de prova, mas naquele lugar a escuta, dizem, é rotina. Talvez os alunos estejam em busca de ouvir histórias com poder de empoderamento, como a de Edgar. Quem sabe não desejam “romper com o universo que cerca dizendo não”. Mas isso não é fácil.

MAIS NOTÍCIAS DO CANAL