Por: Adaíra Sene
Publicado em: 19/11/2015 16:20 Atualizado em: 20/11/2015 18:03
“No edifício onde moro, são 46 apartamentos. Os únicos negros são da minha família e duas crianças adotadas do 12º andar. Costumo ir a restaurantes bons e hoje, assim como na maioria das vezes, entre uns 50 clientes, somos os únicos negros. Eu fui a única negra em muitas turmas de 60 alunos nas escolas privadas. E, até mesmo quando ando de avião, é sempre aquele mar de brancura. Nunca fui atendida por médicos negros. Nunca vi maioria de negros em novelas. Onde estão as pessoas da minha cor?”
Assim como a estudante Isabella Puente, de 22 anos, autora das indagações colocadas acima, a sensação de isolamento atormenta muitos negros que ascenderam socialmente e que, mesmo assim, carregam a herança de uma política nacional de branqueamento imposta pelo Estado. “O que os negros que conquistam uma boa posição social revelam é que a raça e a cor da pele os acompanham em todos os ambientes. Uma prova inequívoca de que a questão do negro no Brasil não é socioeconômica, é um legado da escravidão”, explica a professora de pós-graduação em sociologia da Universidade Federal de Pernambuco, Liana Lewis.
Isabella lamenta a sensação de isolamento que sente ao perceber, por exemplo, que no prédio onde mora os únicos negros são da família dela e duas crianças adotadas de um dos 46 apartamentos. Foto: Paulo Paiva |
Ícone do empoderamento negro, Lala K sabe que a mudança faz parte de um processo lento e nem sempre gradual. “Infelizmente, tem gente que nunca vai mudar. Gente que senta na mesa com você e não te agride fisicamente, mas é preconceituoso. Difícil saber se te tratam com respeito por você ser quem é ou não”, dispara. Somente com a afirmação da própria identidade, o final dessa história pode mudar. “Eu aprendi a não me preocupar. Levanto a cabeça e vou embora. Algo do tipo ´vá com seu racismo para lá´. Muitas vezes, estou na rua ou tocando e as mulheres me contam que usavam o cabelo preso ou viviam na escova, mas que passaram a deixar de fazer isso ao me ver. Não quero ser símbolo de nada, mas é preciso que as pessoas vejam que existe, que é bonito e se inspirem também. Essa coisa do cabelo, das pulseiras e colares de matrizes africanas, por exemplo. As pessoas querem saber de onde são”.
A DJ Lala K não acredita no fim do preconceito, mas diz que aprendeu a não se preocupar: "Levanto a cabeça e vou embora. Algo do tipo ´vá com seu racismo para lá". Foto: Festa Odara/ Divulgação |
Para Lina Lewis, a passagem da sociedade brasileira para a modernidade foi acompanhada de um processo de subalternização da população negra. “Estudos comprovam que em um mesmo estrato social, os negros têm menos acesso a bens do que os brancos. E isso é um projeto de estado e de sociedade. Isso é o que caracteriza uma sociedade estruturalmente racista”, diz.