Educação Estudantes que não sabiam ler terminam ano letivo como escritores de um livro Educadora de 30 anos, sendo três dedicados à rede municipal do Recife, mudou a trajetória dos alunos para que eles deixassem as estatísticas de anafalbetismo

Por: Anamaria Nascimento

Publicado em: 19/04/2015 14:00 Atualizado em: 17/04/2015 17:51

Estudantes bordaram o livro e editora se interessou em lançar a versão impressa. Foto: Paulo Paiva/DP/D.A.Press (Paulo Paiva/DP/D.A.Press)
Estudantes bordaram o livro e editora se interessou em lançar a versão impressa. Foto: Paulo Paiva/DP/D.A.Press
“Era uma vez um sapo que estava caçando pernilongos e encontrou uma escada que ia até a lua.” A frase pode parecer simples para quem costuma ler. Para seis estudantes não-alfabetizados com idades entre 10 e 12 anos da Escola Municipal Presbítero José Bezerra, porém, é o resultado de um esforço realizado durante oito meses.

É com a frase do início do texto que começa a história narrada no livro infantojuvenil A escada até a lua, lançado este ano pela editora cearense Imeph. Fruto do incentivo da professora Nathalie Sena, a obra foi escrita por alunos com distorção idade-série da rede municipal do Recife.               

A turma iniciou o ano letivo de 2014 sem saber ler. Alguns sequer sabiam escrever o próprio nome. Meses depois, os estudantes se viram como autores de um livro. Na segunda reportagem da série Mestres da Criatividade, publicada no mês em que se comemora o Dia Mundial da Educação em homenagem aos professores que fazem a diferença no ensino público, o Diario mostra como uma educadora de 30 anos, sendo três dedicados à rede municipal do Recife, mudou a trajetória dos alunos para que eles deixassem as estatísticas de anafalbetismo.

O projeto da professora foi reconhecido nacionalmente e conquistou o segundo lugar na categoria educação científica do 20º prêmio Ciência Jovem, entregue pelo Espaço Ciência de Pernambuco, que recebe trabalhos de todo o país.

Responsável pelas aulas do Se Liga, programa de alfabetização adotado pela Prefeitura do Recife para correção do fluxo escolar, Nathalie não se contenta em ensinar os alunos a ler. “Não me satisfaz apenas aprová-los, dar notas. Quero ver o aprendizado para a vida, perceber que fiz a diferença para eles”, ressalta a educadora. “Estamos numa escola pública, então temos problemas de infraestrutura, mas isso não me desanima. Pelo contrário, vejo que as crianças precisam ainda mais do meu trabalho”, completa.

No início do ano letivo de 2014, alunos não-alfabetizados de 2º ao 5º ano (antiga 1ª a 4ª série) da escola, no bairro da Macaxeira, foram identificados. Os seis estudantes que ainda não tinham o conhecimento  adequado à idade foram encaminhados à turma de Nathalie. “Trabalhamos para que eles aprendam a ler e, após dois anos, consigam voltar para as séries regulares”, explica a professora. De acordo com o último Censo Escolar do Ministério da Educação, de 2013, 21% dos alunos da rede municipal apresentam a defasagem.

Linhas, tecidos e agulhas para a confecção do livro foram doados por pais e professores. Foto: Paulo Paiva/DP/D.A.Press (Paulo Paiva/DP/D.A.Press)
Linhas, tecidos e agulhas para a confecção do livro foram doados por pais e professores. Foto: Paulo Paiva/DP/D.A.Press
Depois que os estudantes começaram a ler as primeiras palavras, a professora levou várias obras infantojuvenis para Alex, Eduardo, Kalvin, Luiz, Rogério e Thalita lerem. O preferido foi o livro O sapo que engoliu a lua, de Celso Antunes. Baseado nele, o grupo escreveu e ilustrou um texto próprio, que recebeu o título A escada até a lua. A obra dos estudantes, feita em tecido, foi bordada pelos alunos, com linhas, agulhas e botões recebidos de doações de pais e professores. “Enviei o trabalho para Antunes, por Facebook. Dias depois, uma editora estava na escola querendo publicar nosso livro em versão impressa”, lembra Nathalie.

Os exemplares foram distribuídos para os estudantes da escola e disponibilizados nas bibliotecas da rede municipal. Orgulhosos, os autores estreantes participaram de uma manhã de autógrafos, onde receberam pais, amigos e outros alunos. “Minha mãe tem o livro. Todo dia, pego para ler antes de dormir. Nem acredito que eu escrevi”, diz a estudantes Thalita Santos, 12, uma das autoras. “Meus pais ficaram orgulhosos. Gostei de bordar e ver o resultado”, revela Luiz Rodrigues, 12.

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