Opinião

Daniella Brito Alves: A comunicação entre estranhos íntimos no WhatsApp

Daniella Brito Alves é jornalista, mestre em Sociologia e professora da graduação em Jornalismo e da pós-graduação em Comunicação na Uninassau

Publicado em: 10/01/2018 07:37

O que trago neste texto de hoje é quase um desabafo, e a intenção por trás do que vou narrar é observar a partir de situações do cotidiano como estamos nos comunicando e fazendo uso da tecnologia que cada vez mais define a forma, o que vamos comunicar, onde, como e o porquê . As nossas relações também.

De um tempo pra cá, diversas situações que aconteceram comigo a partir do WhatsApp me chamaram  atenção.  Vou falar sobre apenas algumas de uma lista que cresce como a grande quantidade de mensagens “sem noção” que recebo. Uma delas recebi às 23h de uma pessoa me oferecendo descontos em determinado produto. Já chamando pelo meu apelido enviou diversas fotos e, em seguida, um monte de interrogações com a pergunta “e aí, já escolheu? Não tenho a mínima ideia de quem seja e, o pior, a pessoa nem sequer se apresentou. Alguns dias depois, recebi por zap um cartão de natal e horas à frente um convite para participar da apresentação de um novo serviço voltado para área da comunicação. Como já passava das 22h  nem pensava em retornar a essa hora quando veio a seguinte mensagem “por que não me responde? Pode me dar um feedback?”
E para completar essa lista soube por um conhecido que uma pessoa tinha ficado chateada comigo porque não tinha respondido sua mensagem passada às cinco da manhã. Detalhe: ainda não passava das sete quando soube que não tinha respondido.

A comunicação no online altera o tempo e o espaço no offline? O que estamos fazendo com esse espaço de comunicação direta? É inegável que o WhatsAPP tornou nossa vida diferente e não há aqui nenhuma tentativa de demonização. Informações divulgadas pelo próprio aplicativo de mensagens instantâneas à imprensa em 2017 revelam que o Brasil atingiu a marca de 120 milhões de usuários mensalmente ativos. Atualmente um em cada dez usuários do WhatsApp está no Brasil.

Os dados revelam o tamanho da presença do aplicativo em nosso cotidiano. É só ver a repercussão quando ele saiu do ar. É mesmo difícil para muitos de nós imaginarmos hoje a vida sem o tal do zap.

Será que oferecer um produto ou serviço de uma empresa às 23h por uma mensagem de um aplicativo é natural? Exigir uma resposta a essa hora também? Ficar chateado por que uma mensagem não foi lida durante a madrugada? É inegável que o virtual abre leque para comunicação mais fácil, menos arriscada e cabe a você simplesmente desligar caso não queira. Mas será que o incômodo do real pode simplesmente ser deletado do virtual?  O tempo é diferente?

Será que viramos íntimos apenas por que estamos conectados? Por que temos acesso ao número de outra pessoa?  Neste encontro de estranhos há como deletar também os  desconfortos do mundo offline? Como se estabelece uma relação de empatia e confiança com um cliente, por exemplo, numa abordagem que simplesmente não aparenta dar a mínima para seu tempo e seu espaço? Passaremos cada vez mais a sermos vistos como contatos e não como pessoas?

Por meio deste novo canal de comunicação foi criado um novo espaço de signos e subjetividades vivenciado de forma diferente pelas pessoas. Com ônus para muitos e bônus para tantos outros. Na hora de planejar uma ação de comunicação, é importante levar em conta que um dos diferenciais do aplicativo é oferecer um conteúdo altamente personalizado. Por isso, a linguagem voltada para cada cliente pode ser um caminho para o estabelecimento de uma relação. Engana-se quem pensa que uma abordagem equivocada no WhatsApp se restringe apenas a quem recebeu. A tal função do “encaminhar” serve como eco para compartilhar o que é bom e espalhar o que incomoda. Isso sem falar nos prints que podem ser usados nas redes sociais e também enviados pelo mesmo aplicativo.

Acredito que o debate é interessante para os profissionais da comunicação porque além de perguntas também precisamos de respostas. Talvez algumas delas passem por pensar sobre como essa facilidade de contato pode nos afastar ao invés de aproximar, pois como diz Bauman neste tempo onde “ao contrário de ‘relacionamentos reais’, os ‘relacionamentos virtuais’ são fáceis de entrar e de sair”, há sempre também a facilidade de se desconectar.

Não há intimidade entre estranhos.  Nem no mundo offline e muito menos no WhatsApp. Resta, agora, saber como vamos lidar com isso. 
Os comentários abaixo não representam a opinião do jornal Diario de Pernambuco; a responsabilidade é do autor da mensagem.
MAIS NOTÍCIAS DO CANAL