OPINIÃO Maurício Rands: Hoje é o Dia da Consciência Negra Maurício Rands é Advogado formado pela FDR da UFPE, PhD pela Universidade Oxford

Publicado em: 20/11/2017 06:51 Atualizado em: 20/11/2017 08:17

Celebra-se hoje o Dia da Consciência Negra. O racismo estrutural brasileiro permanece envolto em nossa autocomplacência que insiste em desconhecê-lo. Que esconde a grande responsabilidade de uma nação que não foi capaz de incluir e integrar  o seu povo. Que não encarou a fundo o desafio de Joaquim Nabuco, para quem a tarefa mais árdua não seria aprovar a lei da abolição. Mas, sim, desmontar o legado da escravidão.
Um legado nefasto que ainda hoje se reproduz. E se explicita nas estatísticas, como as da Pnad Contínua do IBGE, divulgada na última sexta-feira. Que mostram, por exemplo, que o desemprego é maior entre negros e pardos (14,6%) do que entre brancos (9,9%). Ou que 8,252 milhões de negros e pardos estão desempregados (63,7% do total de 13 milhões). Ou nos indicadores de violência, como o Atlas da Violência de 2017, que, segundo noticiou o Diario, mostram a mortalidade das mulheres negras crescendo 22% de 2005 a 2015. E subindo de 54,8% para 65,3% as agressões contra elas no mesmo período. 

Mas o racismo brasileiro também se revela em atos reflexos de racismo em que escorrega  até gente competente e decente como William Waack. Vários articulistas defenderam o jornalista. Que estava sendo linchado. Contra o linchamento, a eles me alinho. Mas reconheço que o seu ato, em si, é de ser condenado. Pois explicitou o preconceito do qual precisamos nos livrar. Hoje virou ato de bravura invectivar contra o politicamente correto. Pertenço a uma geração que cresceu fazendo e ouvindo piada contra as chamadas minorias. Mulheres, negros, índios e gays, todos servindo do deboche sob a escusa de que somos um povo criativo e espontâneo. Se não tivesse havido a “reação do politicamente correto”, ainda hoje os preconceitos estariam correndo soltos. No bar, no coquetel dos eventos sociais, nas postagens das redes sociais, nas salas de aula. Em que essa “espontaneidade” estaria contribuindo para que os brasileiros superemos o preconceito? Não entendemos que o preconceito diminui as oportunidades e a autoestima dos atingidos? Mas também não enxergamos que o preconceito rebaixa o seu autor em sua humanidade? 

O preconceito racial precisa ser combatido de todas as formas. Com medidas legais, como as ações afirmativas. Além das quotas em universidades, poderíamos pensar em incentivos ao empreendedorismo de afrodescendentes. Como existe na Califórnia. Lá o estado concede incentivos fiscais a empresas por eles controladas. Mas também poderíamos nos beneficiar da ratificação de tratados internacionais, como a Convenção Interamericana contra o Racismo, a Discriminação Racial e Formas Conexas de Intolerância, da OEA. Que entrou em vigor no último dia 11 de novembro, mas ainda não foi ratificada pelo Brasil. 

Também poderíamos ajudar a avançar o Plano de Ação da Década dos Afrodescendentes nas Américas (2016-2025), aprovado pela Assembleia Geral da OEA em 14/06/2016. Que tem como missão “adotar gradualmente e fortalecer políticas públicas e medidas administrativas, legislativas, judiciais e orçamentárias para assegurar às populações afrodescendentes nas Américas o gozo dos seus direitos econômicos, sociais, culturais, civis e políticos e a sua participação plena e em igualdade de condições em todos os âmbitos da sociedade, com o apoio da OEA.” 
Mas, além das mudanças legais ou estruturais, precisamos desenvolver uma cultura atenta ao racismo, ainda que velado. Para isso, precisamos, sim, respeitar o “politicamente correto”. E incluir nas regras do convívio a limitação comportamental e de linguagem a quaisquer atos que denotem racismo. Tal como outras limitações que aceitamos como naturais à vida em sociedade. Trata-se mesmo de exigência do processo civilizatório. 


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