Opinião José Luiz Delgado: Méritos do protestantismo José Luiz Delgado é professor de Direito da UFPE

Publicado em: 17/10/2017 07:18 Atualizado em:

Desenlace de crise claramente anunciada, explosão de uma óbvia necessidade de reforma, a que a Igreja cristã (a Católica, que era a única até então, no Ocidente) não estava sabendo dar atenção, o protestantismo é essencialmente um erro, porque rejeitou a Igreja que o próprio Cristo fundara. Mas nele se podem identificar vários méritos. Sob certo aspecto, representou um grande bem para a civilização, para a humanidade, e até para a Igreja mesma.
Seu primeiro grande mérito é a ênfase na liberdade de pensamento e de consciência, na liberdade pessoal. O que seria do mundo moderno se o cristianismo não se houvesse cindido? Se o Ocidente tivesse continuado monolítico? Imagine-se a cidade dos homens apenas e integralmente católica...  Suponho que não estaríamos muito distantes de certo totalitarismo.

A tendência, que é uma tentação, de centralização e de autoritarismo, na Igreja, é evidente. E esta é tragédia que decorre da verdade. É, pode-se dizer, o mal da verdade, a tentação que acompanha toda verdade. Tal e tamanho é seu esplendor que a verdade se impõe por si mesma – e aí parece querer não admitir que alguém não se deixe igualmente fascinar por ela. Podem, por isso, querer impô-la de qualquer maneira. Parece haver uma tendência, em toda verdade, em se fazer totalitária. A verdade absoluta tende a ser absolutista. Não por defeito dela, mas dos seus entusiastas. Sob certo aspecto, a verdade tem certa dificuldade para se conter, isto é, para não pretender que todos imediatamente a reconheçam e se rendam a ela. E isso representou uma tragédia na história da Igreja, que é preciso reconhecer.

Ao contrário, a verdade é libertação. E só vale se não é imposta, se é procurada por um espírito livre. Esse foi o excelente mérito civilizacional do protestantismo: enfatizar a liberdade de consciência (que é, na essência, valor fundamentalmente cristão, portanto católico, mas que estava obscurecido pelo sentimento de posse da verdade, que o catolicismo tinha e tem). A uma dupla realidade era indispensável (mas isso não é tão fácil assim) dar igual e simultânea atenção: à realidade de que a verdade, inclusive em matéria religiosa, existe e à realidade de que o homem deve procurá-la por conta própria, segundo seu próprio caminho, a partir da liberdade. O resultado histórico da cisão que o protestantismo representou foi a ênfase na liberdade de pensamento e de consciência – que, entre as liberdades, é a primeira. Essa era liberdade que o próprio cristianismo introduziu e consagrou na História, mas que andava ofuscada diante da verdade, que o magistério do Papa, instituído não pelos homens mas pelo próprio Cristo, anunciava.

O consenso atual, quase unânime, pelo menos no Ocidente, em torno da essencial liberdade de consciência deve muito à reforma protestante, à (infeliz) cisão que a revolta de Lutero – acontecida há exatos 500 anos – introduziu na única Igreja de Cristo. A própria democracia, que é de inspiração evangélica, e portanto fundamentalmente católica, só se firmou na História graças ao protestantismo.
 


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