Opinião Maurício Rands : A concertação social necessária Maurício Rands é advogado, PhD pela Universidade Oxford, professor de Direito da UFPE

Publicado em: 29/05/2017 07:51 Atualizado em:

O fio desencapado da vida institucional brasileira convida-nos a pensar fora da caixa. Desde as manifestações de julho de 2013 as ruas têm demonstrado o mal-estar dos milhões que precisam dos serviços públicos precários. E que veem os recursos desviados em corrupção e burocracia. O mundo dos incluídos faz de conta que ouve esse grito surdo. Vieram as eleições de 2014, novos governos, e o descaso continuou. O mundo róseo pintado na campanha eleitoral logo cedeu lugar à mais profunda crise econômica que varreu empregos e conquistas sociais. Veio o impeachment e um novo governo. A pauta das reformas impôs-se como imperativo para a retomada econômica. Mas o conteúdo das reformas logo foi contaminado pela velha miopia. Ouviu-se mais o mundo das altas finanças, das grandes corporações e dos tecnocratas. Todos muito distantes dos setores populares que estão pagando a conta com os 14 milhões de desempregados e os pequenos negócios inviabilizados. E que seguem sofrendo com péssimos serviços públicos prestados por um estado burocrático, caro e ineficiente.

O mal-estar agravou-se com a Lava-Jato expondo as vísceras da corrupção sistêmica. No início parecia haver uma investigação seletiva que só atingia o PT. Depois, foram alcançados PSDB, PMDB, PP, DEM e outros. As revelações da JBS, chegando ao presidente Temer, mergulharam em dúvidas o futuro de seu governo. E aí volta a velha atitude maniqueísta do Fla-Flu. Da lógica binária simplificadora. Governo e oposição polarizados, cada um jogando no outro todas as culpas. Quando o MP atinge um aliado, enxerga-se uma conspiração. Quando o corrupto descoberto é do outro lado, eis os verdadeiros culpados. Para uns, a solução seria transferir ao sistema judiciário a direção do estado brasileiro. O partido da toga. Para outros, o velho arranjo por cima da política convencional. Para outros ainda, o também velho arranjo do populismo guiado por um líder salvacionista. De direita ou de esquerda. Fórmulas que representam meros atalhos à complexidade das instituições democráticas, mantendo o país politicamente adolescente e imaturo. Submerso num debate salvacionista e maniqueísta. Mas sobretudo interesseiro. Muitos excitados com a perspectiva de se apropriar dos poderes e seus cargos. Ou de neles se manter. Por que não reconhecer que essa crise demanda uma mudança de atitudes? O país precisa arrumar a casa de imediato. Coisas básicas para que os empregos voltem. Para viabilizar um programa mínimo, serve uma ampla concertação social que envolva partidos do governo e da oposição. Mas também as lideranças empresariais, trabalhadores, sociedade civil e sistema judiciário. Como lembrou o ex-presidente FHC, não se pode fazer reformas ouvindo apenas a alta finança. A sociedade civil e as pessoas comuns também têm que ser ouvidas. O conteúdo a ser negociado passa pela revisão das regras eleitorais, mudanças no funcionamento da administração pública, reformas previdenciária e trabalhista com outro conteúdo a ser negociado com todos os envolvidos, preservação das conquistas sociais dos setores populares e garantia de punição dos culpados por corrupção. Uma concertação com esse alcance é naturalmente difícil. Primeiro porque o país hoje se ressente de grandes líderes. Mas também por causa da velha polarização que sempre joga a culpa no outro. Poderíamos tentar uma saída diferente dos velhos acordos feitos apenas no andar de cima. O povo tem que ser incluído na concertação. Pressuposto é a manutenção das regras da Constituição até que o país possa eleger um novo governo e um novo parlamento. Essa crise significa o esgotamento de uma etapa de nossa história, a que foi inaugurada com a Nova República de Tancredo Neves. Tendo chegado ao fundo do poço, o Brasil precisa refundar a política e suas instituições. Por isso, em 2018 poderíamos eleger um novo presidente junto com uma assembleia constituinte para reformatar as instituições e inaugurar uma nova fase em nosso desenvolvimento. E para refundar a República. Até lá, precisamos de um governo que viabilize um programa mínimo com base numa ampla concertação social envolvendo todos os segmentos do povo brasileiro. A disputa sobre os diversos projetos de país poderia ser deixada para as eleições de 2018.

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