OPINIÃO Clóvis Cavalcanti: Peçam perdão Clóvis é Presidente da Sociedade Internacional de Economia Ecológica (ISEE)

Publicado em: 30/05/2017 07:41 Atualizado em:

Willy Brandt (1913-1992), do Partido Socialista, foi um grande e respeitado político alemão. Prefeito de Berlim Ocidental, depois chanceler da antiga República Federal da Alemanha (RFA), de 1969 a 1974. Renunciou ao cargo de chefe do governo em virtude de um assessor próximo seu, Günter Guillaume, haver sido identificado como espião da polícia secreta da rival Alemanha Oriental (comunista). Brandt confessou que não sabia da condição de espia do auxiliar, mas, envergonhado, pediu desculpas pelo deslize involuntário e entregou o cargo. Não houve pressão para isso, nenhuma ameaça. Muito popular, tinha realizado esforços importantes para aproximar a RFA do Leste Europeu, trabalho que lhe proporcionou o Prêmio Nobel da Paz de 1971. Nada disso foi impedimento para que ele demonstrasse humildade, largasse sua liderança e pedisse perdão a seus concidadãos.
Gestos assim faltam no Brasil. Multiplicam-se os casos da corrupção mais deslavada e ninguém dos apontados pelo desrespeito à ética vem a público reconhecer erros assustadores, penitenciar-se por possível incompetência ou fraqueza diante de fatos e situações, e pedir desculpas à sociedade. Errar é humano. Ninguém é infalível. Muitas vezes, por exemplo, usamos palavras grosseiras, ríspidas ou de voz alterada quando não gostamos de alguma coisa. É prova de sensibilidade, de delicadeza, formular um pedido de escusas em casos assim. Muito mais quando se trata de gestão do patrimônio público, quando se evidencia, como há meses, um conluio entre governo e poderosos da economia. Com o agravante de um quadro amplo de acertos entre empresários e políticos, que vai se evidenciando mais e mais, envolvendo valores que estão muito acima do que pode imaginar até o eleitor mais informado Não há sentido algum, por outro lado, em um robusto homem de negócios ir conversar com o presidente da República às 23h. Sem testemunhas. Sem uma gravação do encontro pela segurança presidencial.
Chico de Oliveira, grande sociólogo pernambucano e respeitado professor da USP, na Folha de São Paulo de 14/12/2003, já sugeria algo errado ao escrever por que estava se desligando do PT na ocasião. Disse: %u201CAfasto-me porque não votei nas últimas eleições presidencial e proporcional no Partido dos Trabalhadores [...] para vê-lo governando com um programa que não foi apresentado aos eleitores. Nem o presidente nem muitos dos que estão nos ministérios nem outros que se elegeram para a Câmara dos Deputados e para o Senado da República pediram meu voto para conduzir [...] uma política de alianças descaracterizadora [...] um conjunto de políticas que fingem ser sociais quando são apenas funcionalização da pobreza%u201D. Chico, que sempre se recusou a ocupar cargos, estava insatisfeito com o que chamava de %u201Cpolítica de alianças descaracterizadora%u201D. Na ocasião, ele não imaginava o grau de desvio que ocorreria daí por diante. Não quero demonizar ninguém. No entanto, a enorme proximidade do governo de empreiteiras, empresas do agronegócio, bancos %u2013 com a fartura de recursos do BNDES (cuja denominação fala em %u201Cdesenvolvimento econômico e social%u201D) %u2013 não poderia terminar bem. Essa realidade, que tem se revelado enormemente promíscua, criou uma conjuntura em que a economia fica emperrada e a população não sabe para onde vá. Pedir desculpas, ao invés de ficar inventando fábulas tolas, para esconder a promiscuidade, seria a primeira providência a ser feita.
Um dado interessante de minha experiência de vida foi o acesso ao presidente João Goulart que a diretoria da UNE (União Nacional dos Estudantes) tinha em 1963, quando fui membro do Conselho da entidade. Vinícius Caldeira Brant, o presidente (até julho de 1963), ligava para o Palácio do Catete altas horas; Goulart dizia %u201CPode vir%u201D. O que ia falar um jovem estudante com a maior autoridade do país tão tarde da noite? Coisa que ele e a UNE achavam importantes. Não era para gravar nada. Pelo contrário, era para se fazer aliança de forças, para ajudar o governo no plano político. Parece incrível, hoje, uma história dessas. O próprio Vinícius, um mineiro que foi meu amigo e morreu jovem, as contou-me em conversas na época e tempos depois. A UNE não possuía receitas. Vivia sobriamente. Nunca foi pedir verbas ao governo. Como atuava de forma destemida pelas causas nacionalistas e de justiça social, virou alvo do ódio que estourou no golpe de 1964, havendo sua sede sido incendiada na noite de 31 de março daquele ano. Eu estava nas proximidades. Foi doloroso testemunhar um efetivo golpe militar. A redemocratização do país não deveria nunca levar à realidade podre que, com tristeza e dor, presenciamos agora. Que os culpados comecem pedindo perdão.


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