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Opinião Maurício Rands: Quando a lógica binária não é tão binária assim " Em um campo e em outro, as simplificações prosperam como se a realidade política fosse realmente a de dois lados apenas"

Por: Diario de Pernambuco

Publicado em: 29/08/2016 07:05 Atualizado em:

Por Maurício Rands 
Vice-presidente do Diario de Pernambuco  

Os últimos dias do mandato de Dilma e os embates dos senadores no julgamento produzem impressões que podem não ser tão autênticas. Relevem-se as expressões nem sempre elevadas. Uma primeira observação poderia concluir que a exaltação dos debates decorreria da justa indignação de quem defende uma causa.

Alguns parlamentares debatem como se realmente acreditassem em tudo que estão a vociferar. Como se houvesse, de um lado, ‘os do bem’, ‘os que defendem os mais pobres’; de outro, ‘os conspiradores a serviço de interesses de exploradores, até de estrangeiros’. Ou, na outra direção, de um lado ‘os dinossauros, corruptos e incompetentes que quebraram o Brasil’; de outro, ‘os éticos e realistas capazes de nos tirar da crise’. Em um campo e em outro, as simplificações prosperam como se a realidade política fosse realmente a de dois lados apenas.

Nem tanto, senhores. Esse enredo simplificado complica-se quando se examina, por exemplo, a delação do empresário Léo Pinheiro, da OAS. Ele revela transferências ilícitas para Lula, Serra, Aécio e Dilma. Algumas para campanhas, outras para o patrimônio pessoal. Emblematicamente, a OAS deu propinas para os caciques dos principais polos dessa guerra santa que enxerga o demônio sempre do outro lado.
 
Se foi todo o sistema político que se alimentou desses propinodutos, seria de esperar um pouco mais de comedimento na demonização do outro lado. Relatos como os de Léo Pinheiro, no mínimo, colocam em dúvida a adequação do enredo da lógica binária dos dois lados, dos dois campos polarizados.

A Superedição do Diario deste fim de semana revelou que já estão sendo rodados três filmes sobre o impeachment de Dilma. Esses filmes talvez ajudem a explicar tanto a conduta dos senadores que resistem ao impeachment quanto a da própria Dilma e de seu establishment. Ao ler a matéria do Diario, uma amiga não se conteve: ‘Ah, agora entendi a exaltação, sem a mínima autocensura, de alguns senadores, uma grande encenação.’ Por que se expuseram a cenas tão grotescas? Os filmes possibilitariam deixar um testemunho para a História. Uma narrativa de quem seria vítima de um golpe parlamentar, uma conspiração conservadora como tantas já registradas em nossa História. 

Talvez acreditando na viabilidade dessa narrativa, a própria Dilma parece mais aliviada do que no tempo em que era responsável pelos destinos de 200 milhões de brasileiros. Esse enredo, de que ela seria a grande vítima, parece-lhe mais confortante do que a alternativa. Continuasse no governo, teria que fazer o adiado ajuste imposto pelo descalabro fiscal e econômico gerado por seus próprios erros.

Teria que carregar o peso de um segundo mandato inviável quando ela própria já percebera sua incapacidade política e econômica de governar. Nesse cenário, não é demasiado imaginar que o enredo da vítima pode lhe parecer mais atrativo. Os exaltados senadores parecem não se lembrar que as verdadeiras vítimas são os 12 milhões de desempregados, as empresas quebradas, os beneficiários de conquistas sociais que se estão a derreter e os militantes idealistas dos movimentos sociais que não tiveram dirigentes à altura de sua generosidade. Esquecem de perguntar o que estarão pensando as verdadeiras vítimas dessa tragédia.


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