Mulheres FEM Mulher completa um ano e políticas municipais ainda engatinham

Por: Júlia Schiaffarino

Publicado em: 07/03/2016 13:38 Atualizado em: 07/03/2016 14:11

Poucas vezes listada entre prioridades da gestão municipal, as ações públicas de política para as mulheres ganharam, no ano passado, uma reserva dentro do Fundo Estadual de Apoio ao Desenvolvimento Municipal (FEM) 2015. Pelo menos 5% do que as cidades recebem desse repasse deve ter esse fim ou fica aos cofres do estado. Ainda assim, até o momento, dos 184 municípios pernambucanos, apenas 37 apresentaram projeto específico e somente dez deles foram aprovados. Muitos deles refletem a forma embrionária das ações, principalmente nos municípios menores. Predominam compra de um veículo para visitas à zona rural e construção ou reforma dos locais onde funcionam as coordenações da mulher.

Cedro foi a única das cidades que já teve a primeira parte do dinheiro depositado, uma vez que foi a única a ter concluído, até o momento, o FEM 2014 (obrigatório para liberação do FEM 2015). A cidade tem a coordenadoria da Mulher ligada a secretaria de ação social e, portanto, sem orçamento próprio. “Lá tem uma pessoa só: eu mesma. Tem até um advogado e assistente social que vão de boa vontade, mas são da secretaria de assistência social. Queria montar um Conselho da Mulher, mas falta gente”, contou a coordenadora da Mulher de Cedro, Joseiza Leite. A expectativa dela é ganhar visibilidade após a reforma da Casa e um espaço para oferecer cursos. A prefeitura destinou 40% do FEM para essa ação. Foram R$ 32,5 mil.

 

Também com projetos aprovados, porém no aguardo da liberação, estão as prefeituras de Afrânio, Águas  Belas, Lagoa dos Gatos, Santa Cruz da Baixa Verde e Serrita. A expectativa por construir uma casa para a coordenadoria da mulher se repete em Afrânio. O atendimento lá também é feito dentro da secretaria de Ação Social. “A gente oferece o que tem, mas não temos como bancar muito porque temos uma saúde muito precária, precisamos destinar recursos para a educação e infraestrutura e às vezes não tem como fazer mais. Então as políticas para a mulher são agregadas às políticas de ação social”, justificou a prefeita Lucia Mariano (PSB). Ela citou como ações para as mulheres desenvolvidas pela cidade, hoje, panfletagens e palestras sobre violência doméstica e cursos, ainda por abrir, entre os quais de culinária, corte e costura e embelezamento.


No ano passado foram registrados 21 boletins de ocorrência de violência doméstica em Afrânio que tem 19 mil habitantes. Entre as mulheres com mais de 14 anos, 58,5% não tem renda própria e mais de 25% das que têm ganham no máximo um salário mínimo. Com números próximos, Santa Cruz da Baixa Verde, que registrou 28 casos de violência doméstica no ano passado, destinou os recursos do FEM Mulher para a aquisição de um veículo para cordenadoria. “Esse veículo é importante para que a gente vá na região rural e possa participar dos Fóruns que acontecem”, explicou a coordenadora da Mulher na cidade, Jamira Perreira.

Ela afirma que são feitas “ações mais informativas e um trabalho de conscientização”, o que considera suficiente. “Considero suficiente porque toda a base técnica é a informação, porque a partir daí as mulheres tomam consciencia do trabalho da secretaria para lutarem por seus direitos”, declarou. No ano passado a cidade presenciou um crime que poderia ser descrito em qualquer história pré-medieval. Uma mulher, identificada pela polícia apenas como “andarilha”, foi morta a pedradas pelo companheiro com quem vivia há alguns meses depois de discutir com ele em um bar.

Em Águas Belas (42 mil habitantes) e Serrita (19 mil habitantes) os dados de 2015 são mais chamativos. Esses municípios registraram 57 e 47 casos de violência doméstica, respectivamente. A prefeitura de Águas Belas destinou os recursos do FEM Mulher (R$ 73 mil) para compra de equipamentos para a coordenadoria da Mulher na cidade e de uma carro para os trabalhos na zona rural. O gestor de Serrita também focou na compra de mobília e computadores para a coordenadoria da Mulher (R$ 48,7 mil). A reportagem tentou contato com as duas prefeituras mas não obteve resposta.

 

 

FEM Mulher

184 municípios compõem o estado de Pernambuco
37 apresentaram projetos para o FEM Mulher
6 municípios já tiveram o projeto aprovado

Projetos aprovados

Santa Cruz da Baixa Verde (Sertão)
Projeto: Aquisição de veículos para coordenação municipal de políticas para as mulheres
Valor: R$ 36,222

Serrita (Sertão)
Projeto: Equipagem para coordenadoria da Mulher
Valor: R$ 48.785,86

Lagoa dos Gatos (Agreste)
Projeto: Aquisição de equipamento de informática, audiovisual e automóvel para equipar a secretaria municipal de políticas públicas para as mulheres
Valor: R$ 40.654,88

Águas Belas (Agreste)
Projeto: Aquisição de eletrodomésticos, móveis, aparelhos de informática e um veículo pickup 0 km
Valor: R$ 73.203,99

Afrânio (Sertão)
Projeto: Construção da Casa da Mulher
Valor: R$ 180.500,33

Cedro (Sertão)
Projeto: Reforma e ampliação do prédio da sede da Coordenadoria da Mulher
Valor: R$ 47.873,85



No Recife e Região Metropolitana, projetos ainda serão elaborados

Desde o início deste ano foram registrados em Pernambuco 44 homicídios contra mulheres. A maioria deles (15) aconteceram no Recife e Região Metropolitana. Ainda assim, somente uma prefeitura dessa área apresentou projeto para o FEM Mulher até o momento. Foi Jaboatão dos Guararapes, que pleiteia reestruturação do Centro de Referência da Mulher da cidade e descentralização dos serviços. No Recife, o projeto da secretaria da Mulher ainda está em fase de elaboração. “Como ainda estamos executando trabalhos do FEM 2014, somente em fevereiro é que tivemos uma instrução normativa para autorizar a liberação do FEM 2015”, explicou a secretária da Mulher do Recife, Elizabete Godinho
 
Com direito ao repasse mais alto dentro do FEM, o Recife deve destinar cerca de R$ 1 milhão somente para ações voltadas às mulheres. A secretaria quer empregar o dinheiro basicamente duas ações: a aquisição de uma unidade móvel para atendimento na periferia, orçada em R$ 500 mil, e compra de equipamentos como computadores para o centro de atendimento a mulheres encaminhadas pela delegacia da Mulher, Clarice Lispector. “A ideia é que até o final do ano termos essa unidade móvel. É uma van com adaptações que serve para fazermos orientações e campanhas nas periferias”, completou a Elizabete Godinho. A pasta que ela administra tem orçamento anual de R$ 9 milhões e entre as ações destacadas por ela estão cursos de qualificação profissional e atendimento às vítimas de violência.


ENTREVISTA - Beatriz Vidal, gerente de fortalecimento sóciopolítico da secretaria da Mulher de Pernambuco

Qual tem sido a qualidade dos projetos do FEM Mulher que têm chegado?

As prefeituras com projetos aprovados são de cidades menores e ações mais simples, portanto, mais fácil de serem avaliadas. Mas às vezes falta compreensão dos gestores do que é política para mulher e do que fazer com esses recursos. Teve quem pediu compra de mamógrafo. Só que isso é gasto para a saúde e tem uma dotação específica. Falta entender que política para as mulheres é mais do que um clube de mães ou curso para entrada no mercado de trabalho. Passa pelo empoderamento. 

Esses 5% do FEM são suficientes para falar algo de relevância?
É razoável se pensarmos que a prefeitura que vai receber menos (R$ 30 mil) tem 15 mil habitantes. Mas queremos ampliar e assim, no futuro incluir custeio de ações mais políticas como cursos e formação de empoderamento, empreendedorismo e outros. Só que o mais importante, neste momento, é que a coordenadora da mulher daquela cidade onde o prefeito às vezes não dá importância, passa a ser valorizada. O fato dela chegar na reunião e dizer: “olha, tem um recurso disponível para a mulher e se você não usar vai perder’ isso dá um certo poder a ela sim.

Como estão as prefeituras em termos de organismos voltados para mulheres?

Pernambuco é o estado que tem mais organismos para as mulheres. São 176 (em 184 municípios). A realidade atual não é a que a gente deseja, mas ter essa rede formada permite que se discuta, ainda que minimamente. Aí vem o FEM Mulher e injeta um dinheiro que viabiliza ações. O trabalho agora é fazer osprefeitos abraçarem essas ações.

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