Diario Opinião: a mudança que o diagnóstico de câncer traz na vida "Ter um diagnóstico de câncer, além de nos garantir alguns direitos, nos permite algumas transgressões"

Por: Diario de Pernambuco

Publicado em: 23/11/2015 07:14 Atualizado em: 23/11/2015 07:25

Por Verônica Azevedo
Delegada da Polícia Civil

Tempos difíceis: a simples escolha das cores para estampar o perfil, esquecer a data de aniversário de um amigo virtual ou mudança brusca do status de relacionamento, podem render especulações e desgastes; quanto as curtidas ou comentários indevidos, na melhor das hipóteses obriga casais a fazer uma DR – Discutir a Relação e implica em barganhas do tipo: deletas o Face ou eu te deleto. Época em que as prescrições de psicólogos e psiquiatras incluem a redução ou exclusão completa pelo paciente, dos grupos nas redes sociais. Criamos e não damos mais conta dos inúmeros compromissos e eventos demandados. Estamos escravizados!

Imaginem como será dezembro, com todo esse emaranhado que vai exigir de nós, pobres mortais, a capacidade e o condicionamento físico de um maratonista – trânsito cada vez mais caótico, shoppings lotados, ginástica orçamentária para conseguir encaixar presentes para todos os amigos ocultos, participação, por adesão, na maioria dos casos, de todas as confraternizações, da família, do trabalho, das primas, dos companheiros de faculdades, dos colegas de primário (para os antigos), da turma da adolescência, da turma do pilates e do inglês, (que infelizmente ainda vai ficar para o próximo ano, pois foi uma das metas não cumpridas em 2015) e, ufa, finalmente a turma do câncer, obviamente um grupo que entrei por absoluta falta de opção (risos).

Ter um diagnóstico de câncer, além de nos garantir alguns direitos, nos permite algumas transgressões. Essa é uma delas, a licença poética para soltar o verbo e escrever coisas que aparentemente podem não possuir nenhum sentido. Mas, será que há necessariamente que se encontrar sentido em tudo?

Há algum tempo escrevi para essa coluna um texto em que dava meu testemunho, como paciente em tratamento de câncer,"Estou farta de semideuses". Continuo, ainda dentro dos cinco anos críticos, mas com alguns avanços computados, o cabelo que perdi com a químio, nasceu. Confesso que a sensação da brisa batendo neles foi uma das melhores sensações experimentadas. Idealizei o Grupo das "Guerreiras do Calendário" e de alguma forma contribuímos para minimizar o estigma, o preconceito e elevar a autoestima das pessoas que recebem esse difícil diagnóstico, e "de quebra", poder angariar fundos para ajudar instituições parceiras e hospitais carentes, não tem código de barras que pague.

Compreendemos a dificuldade de quem prefere a dor solitária e anônima, mas felicitamos quem tem a coragem de "botar a cara" e agir. Transformar. Somos poeira cósmica em transformação. Sofremos neste período perdas de algumas dessas "modelos" Guerreiras. Partiram para um lugar mágico e encantado, onde não podem mais ser alcançadas pela dor, para um lugar onde acredito, se engajarão em outros bons combates. Uma vez guerreira...

Recentemente nos deixou Maria Helena Marinho, vice-presidente do Instituto Cristina Tavares, uma brava lutadora pelos direitos e pela qualidade de vida da pessoa com câncer. Mesmo doente, nos últimos meses fazia mantas de crochê para aquecer os corpos e corações dos pacientes do Hospital Osvaldo Cruz. A última não chegou a ser concluída. Precisamos de gente como ela, que teça a fibra da vida com amor, tendo duas mãos e o sentimento do mundo! Maria Helena, presente! Nosso respeito, nossa admiração!


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