Mordomia Prefeitos pernambucanos usam e abusam das diárias Sem uma lei geral que regulamente o valor no país, gestor de município recebeu quase R$ 80 mil de reembolso por viagens em 2014

Por: Júlia Schiaffarino

Publicado em: 03/08/2015 12:30 Atualizado em: 05/08/2015 10:10

Regida por leis municiais e não poucas vezes carente de transparência, a cessão de diárias para viagens de prefeitos do interior é uma caixa preta que, uma vez aberta, mostra repasses volumosos e chamativos. Levantamento feito em Portal de Transparência evidencia casos como de Amaraji, onde, em 2014 o prefeito Jânio Gouveia da Silva (PR), recebeu R$ 79.537,00 de diárias. Foram 15 cheques de R$ 3.150,00, três de R$ 6.300, um de R$ 9.450, um de R$ 2.362 e o menor deles, um de R$ 1.575. Em todos os meses teve, pelo menos, dois cheques, sendo, geralmente, um no início e outro no final do mês. O salário dele, em contrapartida, é de R$ 13 mil.

A reportagem solicitou à gestão os dias exatos, destinos e motivos das viagens. Por telefone, Jânio Gouveia afirmou não lembrar exatamente das datas e agendas. “A gente viaja com frequência para fora para tratar de problemas do município. Recebe diária para as despesas com viagem… não precisa trazer a nota”, disse sem falar qual a cifra exata paga por dia. De acordo com ele, os repasses seriam, também, para cobrir passagens áreas, mas o texto da lei, que poderia confirmar isso, não foi disponibilizado. O salário do prefeito de Amaraji é de R$ 13 mil, conforme disse Gouveia. A cidade fica a 96 km do Recife, possui uma renda per capita média de R$ 286 reais e 11% da população em situação de extrema pobreza.

Os dados são do Portal de Transparência de Amaraji que aparecia atualizados até dezembro do ano passado. Não há informações relativas a este ano. Com atualizações do portal em dia, por outro lado, Pesqueira, distante 276 km do Recife, dá conta de pagamentos em 2015 de R$ 21,3 mil ao prefeito Evandro Chacon (PSB). Se dividido pelo número de dias alegado, tería-se 27 cheques. A assessoria do administrador informou que “são roteiros ante o fato de que, constantemente, faz necessária sua presença para resolver questões de interesse público e participação em eventos”. Pela lei municipal, em deslocamentos até 100 km a diária é de R$ 450 com pernoite e R$ 150 sem pernoite. Em viagens ao Recife, a diária sobe para R$ 600 com pernoite e R$ 200 sem pernoite e R$ 750 em outras capitais.

Apesar dos valores estarem dentro dos parâmetros de outras prefeituras são superiores, ao pago, por exemplo, pelo Tribunal de Justiça de Pernambuco, onde um desembargador em viagens a serviço tem direito a R$ 368,40 para viagens do estado e R$ 614,00 para for a, incluindo Fernando de Noronha. Além de alimentação, deve ser pago com esse dinheiro, ainda, hospedagem e transporte. De volta aos executivos municipais, as legislações de Cupira e Paudalho também autorizam R$ 600 de diárias para viagens do prefeito ao Recife. No caso de Paudalho, quando o destino é fora do estado, é possível ao gestor receber até R$ 1,2 mil por dia.

“Desde 2004 a lei municipal prevê um cálculo de 1/30 do salário do prefeito, sendo 2/30 quando o deslocamento é para Brasília. Todo mundo sabe que em Brasília o custo é maior. Mas geralmente a agenda é vinculada às secretarias estaduais. Ele tem trabalhado muito para atrair convênios, principalmente nas secretarias de Transportes e Cidades”, justificou o secretário de finanças de Juarez Gusmão. O dinheiro é para cobrir somente alimentação e despesas como uso de taxi. Passagens e hospedagem ficam de fora.

Enquanto o prefeito de Paudalho José de Araújo (PSB) recebeu R$ 14,4 mil, o de Cupira, Sandoval Luna (PDT), foi ressarcido em R$ 16,9 mil. Apesar de um total menor de diárias, Tupanatinga chama atenção pelo pagamento frequente de R$ 668 reais. O valor exato aparece em todos os meses deste ano três vezes em cada. A assessoria do Executivo foi procurada, mas não respondeu. Já Belo Jardim chama atenção por, em novembro do ano passado, o gestor, João Medonça, ter recebido, conforme o Portal municipal, R$ 2,5 mi para dois dias de visita a ministérios, em Brasília, e outros R$ 2 mil para ida a uma usina de asfalto, em São  Paulo.

Prefeitura de Poção é punida por exagero no pagamento de diárias

Na farra das diárias cometida por alguns gestores públicos é possível encontrar casos como o do ex-prefeito de Poção Roberivan de Melo (PSD) que, em um ano, autorizou pagamentos para cobrir despesas com viagens da esposa Helena Maria de Freitas, mais do que a renda per capita de um morador comum da cidade. Em 2012 foram depositados na conta dela R$ 23,5 mil relativos a diárias, enquanto dados do Banco de Dados do Estado, cujo ano de referência é 2010, dão conta que um cidadão do município teve como rendimentos médio, o que considera salários recebidos, nada mais que 23,3 mil. Helena Maria era secretária de Assistência Social.

O caso foi apurado pelo Tribunal de Contas de Pernambuco (TCE-PE) após uma denúncia que chegou ao órgão por meio da ouvidoria. Uma auditoria especial foi, então, implantada, a partir da qual verificou-se que a situação ia além e resultando em danos ao erário de R$ 165,5 mil. Entre os crimes costavam pagamentos indevidos de diárias, caracterizando remuneração indireta e falta de comprovação das despesas alegadas. Helena Maria, por exemplo, recebeu, no mesmo ano, R$ 22 mil de salário, ou seja, menos do que garantiu com as viagens.

Pessoas que não faziam parte do quadro de funcionários da prefeitura também foram beneficiadas por pagamentos, contribuindo para, ainda de acordo com o relatório do TCE, a cidade liderar o ranking desse elemento de despesa naquele ano, na região. No grupo de 28 municípios que compõem a Inspetoria Regional de Arcoverne, apesar de ser o 20º colocado em termos de receita, Poção foi o que mais gastou com diárias (R$ 366,5 mil).

O total recebido pelo prefeito não foi informado e nada consta sobre os gastos atuais ou passados no portal de transparência da prefeitura. Igualmente,  atual gestor, Padre Cazuza (PSB), não informou quanto teria recebido para ressarcir gastos com viagens este ano. Disse apenas que o valor garantido por lei, hoje, para viagens ao Recife, é de R$ 600 reais. “Eu não quero falar muito sobre isso não”, pediu. Sobre o portal, prometeu verificar a situação.

Uma fiscalização permeada por entraves

Cair na malha dos órgãos de controle por extravagância no pagamento de diárias a prefeitos ainda é algo que assusta pouco os gestores, dado a baixa quantidade de registros de punição por isso. Além de Poção, apenas outras três prefeituras, Joaquim Nabuco, Afrânio e Gameleira, tiveram irregularidades apontaram por gastos indevidos com diárias no TCE-PE. Junto ao banco de dados do Centro de Apoio Operacional à Promotoria de Justiça (Caop) - Patrimônio Público - do Ministério Público de Pernambuco, apenas uma investigação, esta referente ao Recife (2011), foi levantada.

Um dos motivos para a dificuldade de controle, avalia o diretor do departamento de Controle Municipal do TCE-PE, Júlio César Barbosa Rodrigues, é a falta de uma regulamentação uniforme dos valores. “Não existe uma lei única que regule esses valores. Cada município que diz quanto vai pagar, então, em tese, há um amparo legal para os pagamentos. O papel do controle externo é verificar quando há abusos. Verificamos o que foge ao normal”, disse. Os dois princípios observados, pontuou, são o da razoabilidade e o da proporcionalidade, isto com o salário. “Não se pode receber mais do o salário em diárias”.

O bom exemplo da razoabilidade

O excesso chama tanta atenção quanto à ausência e, em meio a gastos, por vezes exorbitantes, de alguns prefeitos com diárias, o Portal de Transparência do município de Cachoeirinha, no Agreste do estado, apesar de atualizado, não acusa pagamento de diária ao prefeito Carlos Alberto Bezerra (PSD). Pela lei da cidade, ele poderia receber até R$ 500 reais para viagens acima de 300 km dentro do nordeste e até R$ 1.500 para viagens a outras regiões. Direito ao qual Beto de Tota (PSDB), como é conhecido, prefere abrir mão.

“O município aqui já vive tão apertado para pagar as coisas… Eu estou como prefeito, mas tenho um salário (R$ 12 mil) . Acho que esse tempo todo só tirei o dinheiro de duas diárias para a Brasília”, disse o gestor. De fala simples, estudou até a 5ª série, mas conseguiu estabilizar-se como empresário na região, tendo entrando na política para concorrer à prefeitura, cargo ao qual foi reeleito em 2010.

Beto de Tota confessa viajar pouco e para tratar de assuntos da prefeitura e não hesita em justificar: resolve o que pode por telefone. “A presença do prefeito na cidade é muito importante para a prefeitura estar organizada. Não adianta nada ficar viajando por aí e ter a prefeitura desorganizada, com as contas atrasadas. Até porque muita coisa se resolve por telefone hoje em dia”, disse completando que “graças a Deus” conseguiram fechar todos os pagamentos este mês.

Quando viaja para o Recife, onde costuma ir com mais frequência resolver pendências da cidade, vai no carro da prefeitura ou no próprio e evita se estender por mais dias que o necessário. Quando não, dá expediente na sede do Executivo local. “Estou todo dia lá das 8h às 13h, pode chegar e me procurar”, convidou, acrescentando que, se por acaso não o encontrasse, provavelmente seria porque está andando pelas ruas.

Veja quanto alguns prefeitos receberam por pagamento de diárias

 

Jânio Gouveia (PR)
Prefeito de Amaraji
R$ 79,5 mil recebidos em diárias em 2014
O valor recebido equivale a:
    2.687 refeições de valor médio do brasileiro (inclui sobremesa e cafezinho)*
    101 cestas básicas**
    44  x a renda média por um dia de trabalho do brasileiro***

O que diz a lei?
A prefeitura não informou o valor da diária (por dia e distância)
A prefeitura não informou quais despesas a diária cobre
Inexistem informações sobre os gastos de 2015 no Portal de Transparência da Prefeitura

 

 

Manoel Tomé (PT)
Prefeito de Tupanatinga
R$ 8 mil recebidos em diárias de janeiro a maio deste ano
O valor recebido equivale a:
     292 refeições de valor médio do brasileiro (inclui sobremesa e cafezinho)*

     25 cestas básicas**
     4 vezes a renda média por um dia de trabalho do brasileiro**

O que diz a lei?
A prefeitura não informou o valor da diária (por dia e distância)
A prefeitura não informou quais despesas a diária cobre
A prefeitura não informou o salário do prefeito
Inexistem informações sobre gastos pós maio no Portal de Transparência

 

Prefeito Evandro Chacon (PSB)
Prefeito de Pesqueira
R$ 21,3 mil recebidos em diárias este ano
O valor recebido equivale a:
    779 refeições de valor médio do brasileiro (inclui sobremesa e cafezinho)*
    67 cestas básicas**
    12 vezes a renda média por um dia de trabalho do brasileiro***

O que diz a lei?
R$ 600 é a diária paga para viagens ao Recife (R$ 200 se não tiver pernoite)
R$ 750 é a diária paga para viagens a outras capitais (R$ 250 se não tiver pernoite)
O valor cobre alimentação e hospedagem

 

José Pereira de Araújo (PSB)
Prefeito de Paudalho
R$ 17,4 mil recebidos em diárias este ano
O valor equivale a:
    636 refeições de valor médio do brasileiro (inclui sobremesa e cafezinho)*
    57 cestas básicas**
    10 vezes a renda média por um dia de trabalho do brasileiro***

O que diz a lei?
R$ 600 é a diária para viagens de Pernambuco
R$ 1.200 é a diária para viagens fora do estado
O valor cobre alimentação e demais gastos como taxi

 

Sandoval José Luna (PDT)
Prefeito de Cupira
R$ 16,9 mil recebidos em diárias este ano
O valor recebido equivale a:
    618 refeições de valor médio do brasileiro (inclui sobremesa e cafezinho)*
    53 cestas básicas**
    9 vezes a renda média por um dia de trabalho do brasileiro***

O que diz a lei?
R$ 600 é a diária paga para viagens ao Recife (R$ 200 se não tiver pernoite)
R$ 750 é a diária paga para viagens a outras capitais (R$ 250 se não tiver pernoite)
O valor cobre alimentação e hospedagem



 



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