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O exemplo alemão

Maurício Rands
Advogado formado pela FDR da UFPE, PhD pela Universidade Oxford

Publicado em: 19/04/2021 03:00 Atualizado em: 19/04/2021 05:28

É triste constatar o fracasso do país que amamos. E que até hoje não se realizaram as esperanças de tantas gerações. Fracassamos no crescimento, na inclusão social, na erradicação da pobreza, na consolidação de instituições democráticas eficazes, no meio ambiente, na educação. Um país de insegurança jurídica. Fracassado até mesmo na garantia das liberdades do estado de direito.  Como se viu no aplauso de nossos liberais a um juiz parcial como Moro. Mesmo ele tendo violentado liberdades fundamentais e o devido processo legal. E tendo usado a toga para interferir na eleição presidencial. Tudo isso levou nossa imagem internacional à situação de pária. Esse fracasso acentuou-se com o atual governo, dados o seu negacionismo e a péssima gestão da pandemia. Mas não se pode atribuir apenas a Bolsonaro e à extrema-direita o fracasso brasileiro. Nossas instituições e nossa sociedade estão doentes há muito. O atual presidente e seu governo-desastre são mais sintomas do que causas dos nossos males.

Um fracasso tão rotundo reclama o repensar do país. Porque é possível sair do fundo do poço. Se redesenharmos nossas instituições e mudarmos nossa cultura política. E se formularmos consensos parciais sobre um novo projeto nacional de reconstrução do país dilacerado. Necessitamos de uma frente ampla para em pouco mais de um ano darmos fim ao triste episódio iniciado com o voto puramente ressentido de 2018. Mas uma frente ampla, fique claro, que vá além dos partidos e suas burocracias que só pensam nos espaços de poder para se autorreproduzir. O país reclama alianças de forças sociais sobre os grandes temas. A começar pelo combate ao vírus, a recuperação da economia, a reforma do estado e um plano para revolucionar a educação e os serviços básicos. Impossível? Se alguns países conseguiram, por que o Brasil não poderia se reinventar?

Uma das nações que operaram o milagre com o qual sonhamos foi a Alemanha. O país devastado que emergiu da derrota na II Guerra alcançou a estabilidade e a maturidade num espaço de tempo mais curto que qualquer outro. Soube se reunificar, com uma injeção de 2 trilhões de euros em infraestrutura na antiga Alemanha do Leste nos últimos 30 anos. Graças à taxa de solidariedade de 5,5% adicionais ao imposto de renda. Uma eficiente estrutura econômica em que centenas de milhares de pequenas e médias empresas empregam ¾ da força de trabalho (80% do PIB proveniente de negócios familiares), espalhadas em todo o território nacional. Um exemplo de desenvolvimento industrial e tecnológico que oferta ao mundo, por exemplo, automóveis e produtos industriais da mais alta qualidade (ThyssenKrupp, Basf, Bayer, BMW, Mercedes-Benz). Um regime social de mercado, com governança corporativa em codeterminação que assegura assento aos trabalhadores nos conselhos de administração. Uma consciência ambiental que já fez chegar a 40% a proporção das energias renováveis na produção de energia elétrica (com subsídios de 25 bilhões de euros anuais). E que fez do Partido Verde uma força política com grandes expectativas para as eleições marcadas para 26 de setembro deste ano. Uma imprensa livre e comprometida com o fact-checking e o debate plural. Universidades poderosas como a de Heidelberg, berço de 56 prêmios nobel. Um sistema político maduro, capaz até de absorver e conter o fenômeno hoje universal dos partidos de extrema-direita e xenófobos como o AfD. Um sistema político, ademais, capaz de formar coalisões entre forças políticas de origens tão distintas como o social democrata SPD e o liberal CDU/CSU, sob a liderança de Angela Merkel. Um exemplo de estadista. Uma sociedade madura que teve a generosidade de absorver mais de um milhão de imigrantes no único ano de 2015 em que a crise de refugiados chegara ao pico. E que hoje tem 25% de sua população com background de imigrante. Uma cultura de austeridade, avessa à ostentação consumista. O senso de responsabilidade para com os demais e para os esforços coletivos. O compromisso com a produtividade e a eficiência que libera o tempo das pessoas para o lazer, o estudo e o convívio familiar e social.  

Essa trajetória tão inspiradora está retratada no excelente livro do inglês John Kampfner (Why the Germans Do it Better, 2020). Escrito a partir de sua experiência como correspondente do Financial Times e da BBC, além de editor da New Statesman. Longe da pretensão de que o Brasil se torne uma Alemanha. Mas, no momento em que constatamos o nosso fracasso e precisamos de imaginação para reinventar nosso projeto de país, não custa olhar paradigmas de sucesso que nos possam inspirar. Esse livro conta a história de uma nação que, tendo ido ao fundo do poço do Nazismo, soube se reconstruir e consolidar uma cultura de respeito à lei e às instituições (um dos grandes orgulhos nacionais é a Constituição, a Lei Básica de 1949). E que foi capaz de combinar a busca pelo desenvolvimento com a sustentabilidade socioambiental. Pela via da democracia e do espírito comunitário. Ah como poderíamos aprender com o exemplo alemão! 

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