DIREITOS HUMANOS

Passadas 13 décadas do fim da escravidão, população negra não tem direitos garantidos

Ativistas afirmam que os afrodescendentes brasileiros ainda sofrem com segregação no mercado de trabalho e racismo

Publicado em: 12/05/2018 12:34 | Atualizado em: 12/05/2018 12:44

Integrantes de movimentos negros promovem desde ontem eventos em pontos como a praça da Liberdade para debater políticas públicas e ações afirmativas. Foto: Gladyston Rodrigues/EM/D.A Press)

São 77 anos de experiência, de vivência, como observadora dos vaivéns da história. Mas um ponto específico ela diz ainda esperar: o reconhecimento do povo negro em todos os seus direitos e méritos. “Aboliu, mas não acabou com a escravidão”, comenta dona Lúcia Maria dos Santos sobre a Lei Áurea, promulgada em 13 de maio de 1888. Assim como ela, negros de todo o país conclamam à denúncia no lugar da comemoração dos 130 anos da abolição da escravatura. Ato na Praça da Liberdade, na Região Centro-Sul de Belo Horizonte, marcou ontem as discussões em torno do tema na capital. Neste fim de semana, outros movimentos promovem debates e mobilizações.

Na praça, o recado foi dado com a distribuição de um manifesto, balões, shows, intervenções artísticas, poesia de denúncia e protestos. O objetivo é discutir e refletir sobre uma abolição que não foi acompanhada de iniciativa política ou de ordem legal que permitisse a total inclusão da população negra no projeto de nação que se iniciou a partir do processo abolicionista e da proclamação da República, que ocorreu no ano seguinte.
 
Coordenadora do coletivo Nzinga e integrante da Rede de Mulheres Negras de Minas, Benilda Brito, lembra aspectos da época que reverberam até hoje. “O europeu invadiu o continente africano e trouxe o negro escravizado. O Brasil foi o último país do continente a abolir a escravidão. A menor jurisprudência que temos é a Lei Áurea, que tem duas linhas. No artigo primeiro, está escrito que a escravidão é extinta; o segundo revoga disposições em contrário, sem dizer o que fazer com aquele povo todo”, relata.

“Os imigrantes são incentivados a vir, inclusive com terras, enquanto o povo negro é jogado à própria sorte. Dizemos que o 14 de maio foi o dia mais longo da história, porque ninguém sabia o que fazer. A primeira Constituição Federal proibiu o voto, legitimando a exclusão da população negra.”

Benilda lembra que as mesmas denúncias foram feitas há 30 anos, no centenário da abolição. “A pauta de reivindicação é congelada. É uma população que ocupa as favelas e não tem acesso à saúde e educação, que não consegue entrar no instrumento econômico brasileiro”, diz.

“Há 30 anos, comemorávamos a instituição democrática e o fato de o crime de racismo passar a ser inafiançável. Mas, hoje, não se consegue prender pessoas que o cometem. Terras quilombolas também foram asseguradas pela Constituição. Não há nem cinco quilômetros de terra tituladas pelo governo federal. Nem quando conseguimos entrar na questão legal, avançamos”, critica.

Resistência 

A militante afirma que a sobrevivência dessa população dependeu da própria sorte. Se há uma cultura e religiosidade, também foi por mérito próprio, ante um racismo encarado diariamente e a um enfrentamento cotidiano. Na opinião da coordenadora do Nzinga, o passo fundamental para a mudança num país miscigenado é uma educação de respeito às diferenças e à diversidade. “Vale, no Brasil, o homem, branco, católico e heterossexual. Um modelo que a sociedade e a escola legitimam e que só exclui. Uma educação mais inclusiva coincide com todo tipo de gente, sem negação e sem exclusão. É uma batalha longa. E ainda lidamos com um silêncio do poder público.” 

Longa batalha é o que também acha que há pela frente dona Lúcia. Matriarca da Casa do Divino Espírito Santo das Almas, no Bairro São Geraldo, na Região Leste de BH, é com afinco que ela mantém as tradições, a religiosidade e a cultura afro-brasileiras por meio da umbanda, com a obrigação de jamais ceder. Para ela, são situações cotidianas, por vezes sutis, que revelam a verdadeira face do problema. Como a vez em que estava numa loja sendo atendida por uma conhecida, quando testemunhou um homem negro entrar e ser ignorado por outra balconista. Ou estar num restaurante com amigos e ver todos os clientes que chegaram depois tendo seus pedidos à mesa e precisar recorrer ao gerente para lembrar que também estavam lá. 

“Tudo para o negro é uma dificuldade, seja no dia a dia, no estudo ou no trabalho. Em uma vaga de emprego, o candidato pode ter todas as qualidades que, se chega um branco, perde o lugar. Sempre fica em segundo, mesmo tendo seu valor. E se não tiver estudo, pior ainda”, diz. “Eu me imponho. Não me humilho de jeito algum. Estamos na batalha. E vamos vencer.”
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