Reunião Hansenianos da ex-Colônia Santa Isabel terão encontro com o Papa Grupo terá uma audiência dia 17 com o pontífice. Religioso, que já citou a lepra em suas pregações, deve ajudar a quebrar o estigma e o preconceito contra a doença

Por: Sandra Kiefer -

Publicado em: 12/06/2015 08:37 Atualizado em:

"Estava grávida e a polícia sanitária me tirou de casa e me levou para o leprosário. Minha filha, quando nasceu, foi retirada imediatamente de mim e colocada num dispensário, orfanato contíguo ao sanatório. Só podia vê-la pelos vidros, sem ter contato", Antônia Barroso, ex -interna da Colônia Santa Isabel, olha a foto da filha Inês, com a qual se reencontrou 35 anos depois. (Foto: Beto Novaes/EM/D.A Press)
"Estava grávida e a polícia sanitária me tirou de casa e me levou para o leprosário. Minha filha, quando nasceu, foi retirada imediatamente de mim e colocada num dispensário, orfanato contíguo ao sanatório. Só podia vê-la pelos vidros, sem ter contato", Antônia Barroso, ex -interna da Colônia Santa Isabel, olha a foto da filha Inês, com a qual se reencontrou 35 anos depois. (Foto: Beto Novaes/EM/D.A Press)

No dia 17, a ex-Colônia Santa Isabel, que chegou a isolar 5 mil pacientes de hanseníase em um espaço fechado de Betim, na Grande BH, vai enviar representante a Roma para falar diretamente com o papa Francisco, na sala de audiências João Paulo VI, no Vaticano. “Vamos pedir ao papa para que ele abrace os hansenianos do seu tempo. Pare de usar o termo “lepra” para designar coisas muito ruins, como já fez no início do seu pontificado, ao se referir à pedofilia e à corrupção no banco do Vaticano”, observa Thiago Flores, diretor nacional do Movimento de Reintegração das Pessoas Atingidas por Hanseníase (Morhan). Ele terá a companhia de uma comissão brasileira, formada por cinco integrantes do movimento, além de frades franciscanos, que atuam desde 1931 no combate à hanseníase no país.

A esperança do Morhan é que abertura demonstrada pelo papa Francisco na aceitação de diversas questões poderá ajudar a reverter o estigma da hanseníase, propagado por meio de parábolas bíblicas. “Mesmo sem saber, toda vez que usa o termo, o papa traz sofrimento e discriminação a milhares de pessoas que ele talvez nem conheça. A palavra dele é importante porque repercute no mundo inteiro”, diz Flores.

No Brasil, no Japão e em Cuba, a palavra já foi substituída por hanseníase ou mal de Hansen, nome do cientista que descobriu a cura da doença. Com o tratamento, a hanseníase não é contagiosa nem deixa sequelas nas mãos e nos pés, como ocorria antes. Na acepção real, lepros, em grego, não quer dizer nada além de manchas na pele. Desde 2013, no último Congresso Mundial de Leprologia, ocorrido na Bélgica, a comunidade acadêmica recomendou a utilização da palavra hanseníase, no lugar da terminologia anterior. Em alguns países europeus, entretanto, o termo ainda é empregado.
Colônia chegou a isolar 5 mil pacientes: hansenianos vão pedir ao papa Francisco para não usar mais o termo 'lepra' para se referir a coisas ruins no Vaticano. (Foto: Beto Novaes/EM/D.A Press)
Colônia chegou a isolar 5 mil pacientes: hansenianos vão pedir ao papa Francisco para não usar mais o termo 'lepra' para se referir a coisas ruins no Vaticano. (Foto: Beto Novaes/EM/D.A Press)

Um dos argumentos a ser usados para sensibilizar o papa tem origem no nome Francisco, escolhido por ele para batizar o seu papado. O beijo no leproso é um dos episódios mais marcantes na vida de Francisco de Assis, o santo que ensinou, em sua famosa oração, que “é perdoando que se é perdoado”. “Conta a história que, antes de se converter, Francisco de Assis tinha ojeriza a leprosos. Ele iniciou o processo de mudança ao abraçar e beijar um paciente coberto de feridas. Talvez o papa possa vir a fazer o mesmo em relação a nossa causa”, completa Flores, lembrando que, em 1981, na vinda ao Brasil do papa João Paulo II, o pontífice esteve em uma ex-colônia de hansenianos no Pará.

Durante a ida a Roma, o grupo pretende também convidar o papa Francisco a visitar uma ex-colônia de hanseníase, na próxima vinda ao Brasil, em 2016. No ano que vem, a doença será indiretamente abordada na campanha da fraternidade, que terá o saneamento básico como tema. Ainda hoje, o Brasil é o primeiro do mundo em número de novos casos de hanseníase, doença ligada a condições precárias de moradia, esgoto e alimentação. A diferença é que, atualmente, existe tratamento.

Negociações
As negociações para conseguir marcar um encontro com o papa iniciaram-se há cerca de nove meses. Os primeiros contatos foram feitos a partir do grupo internacional criado para discutir a hanseníase, patrocinado pela Nippon Foundation. Diversos protocolos foram feitos pela entidade japonesa. O Japão foi o primeiro país a reconhecer por meio judicial o direito ao pagamento de indenização aos portadores de hanseníase confinados. Naquele país, a política foi levada às últimas consequências, com a proibição de os pacientes terem filhos nas colônias. Caso isso ocorresse, era feito o aborto da criança. No Brasil, até a metade do ano passado, já tinham sido pagas 9 mil indenizações, entre 15 mil reivindicações. O benefício foi concedido com a Medida Provisória 373, de 2007, editada pelo então presidente Luiz Inácio Lula da Silva.

Outra frente aberta pelo Morhan para chegar ao papa contou com o apoio do Serviço Interfranciscano de Justiça, Paz e Integridade da Criação (Sinfrajupe), que mantém escritório em Roma. A agenda foi obtida com a interferência pessoal de dom José Belisário, vice-presidente da CNBB. O frade permaneceu por uma semana na ex-colônia do Bonfim, em São Luís do Maranhão, estado que registra o maior foco do problema. “Habemus papa!”, comemorou, finalmente, o representante do Morhan, ao receber a autorização oficial para a reunião com o papa, em documento enviado em italiano e em português, assinado pelo Núncio Apostólico.

Prevenção à hanseníase deixou filhos se colo
A política de prevenção da hanseníase foi baixada em 1931 no Brasil. Minas Gerais era o estado com o maior número de colônias de hansenianos, incluindo a Colônia Santa Isabel, de Betim, a maior do país. Passados 90 anos, até agora os filhos e netos de portadores da doença evitaram contar suas histórias, que beiram o desespero. Os depoimentos são comoventes. Sob o estigma da lepra, gerações inteiras cresceram sem colo de mãe, laços de família foram cortados e irmãos viveram como estranhos.

Aos 80 anos, a moradora da ex-Colônia Santa Isabel Antônia Barroso relata a sua história: “Estava grávida e a polícia sanitária me tirou de casa e me levou para o leprosário. Meu marido se suicidou, e minha filha, quando nasceu, foi retirada imediatamente de mim e colocada num dispensário, orfanato contíguo ao sanatório. Só podia vê-la pelos vidros, sem ter contato”. A filha, Inês, desapareceu, e ela só a reencontrou 35 anos depois. Antônia se internou em 1960 e, dois anos depois, já estava curada da doença. Restaram dois dedos atrofiados na mão direita.

Separação e reencontro
Até a década de 1980, a política de isolamento dos pacientes era a única forma de prevenção do contágio pela hanseníase. Em nome da saúde, milhares de hansenianos foram separados de suas famílias. Cada bebê que nascia era levado para longe dos pais, já no parto, para evitar a contaminação. “Vamos pedir também o apoio do papa para o Projeto Reencontro, que quer reaproximar os filhos separados dos seus pais. A proposta de cruzar os DNAs dos ex-pacientes foi inspirada no movimento das Avós da Praça de Maio, da Argentina, separadas dos familiares pela ditadura. Por ser argentino, o papa conhece bem essa história”, compara o diretor nacional do Movimento de Reintegração das Pessoas Atingidas por Hanseníase (Morhan), Thiago Flores.


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