Moradores da Faixa de Gaza esperam pelo fim do horror da guerra
Dois anos depois do massacre cometido pelo Hamas no sul de Israel e do início da guerra, moradores da Faixa de Gaza revelam esperança comedida sobre plano de paz dos EUA. Netanyahu diz que reféns podem ser libertados "nos próximos dias"
Publicado: 05/10/2025 às 09:19

Bombardeio israelense na Cidade de Gaza (OMAR AL-QATTAA/AFP)
Em 7 de outubro de 2023, a vida dos 2,5 milhões de moradores da Faixa de Gaza parou no tempo e no horror das bombas. Naquela manhã, militantes do movimento islâmico palestino Hamas invadiram o sul de Israel por terra, mar e ar, executaram 1,2 mil israelenses e sequestraram 251 — 48 deles ainda estão em Gaza. A retaliação foi imediata: mais de 66 mil palestinos foram mortos, segundo o Ministério da Saúde de Gaza. Às vésperas do segundo aniversário do massacre no sul de Israel e da guerra em Gaza, a resposta do Hamas ao plano de pazproposto pelo presidente dos EUA, Donald Trump, trouxe esperança. A facção aceitou libertar os reféns e acenou positivamente para alguns pontos da proposta.
Neste domingo (5) e nesta segunda-feira (6), Israel e Hamas manterão diálogo sobre a entrega dos sequestrados. O premiê israelense, Benjamin Netanyahu, prometeu impor o desarmamento ao enclave. "O Hamas será desarmado (...) Isto vai acontecer, seja diplomaticamente, pelo plano de Trump, ou militarmente, por nós", avisou. "Espero que possamos trazer de volta, nos próximos dias, todos os nossos reféns." Por sua vez, Trump alertou ao Hamas que "não vai tolerar nenhum atraso" na aplicação do plano.
Em sua rede Truth Social, oamericano anunciou que, tão logoo Hamas confirme, a trégua entrará imediatamente em vigor, e a troca de reféns por prisioneiros começará. “Criaremos as condições para a próxima fase da retirada, quenos deixará mais perto do fim dessacatástrofe de 3 mil anos”, escreveu.
Pela manhã, o jornalista palestino Saber Nuraldin, 44 anos, havia sepultado a amiga Zohara Al Saidi, 19, no pátio do Hospital Al-Shifa, na Cidade de Gaza. "Foi morta depois que um drone lançou uma bomba quando ela e a família retornavam para casa, no campo de refugiados de Al-Shati", relatou ao Correio. Ao longo dos dois últimos anos, Nuraldin tem se esforçado para reportar a guerra em Gaza. "Vivo em uma barraca, faço apenas uma alimentação por dia e luto para manter meus quatro filhos — três meninas e um menino — em segurança", disse.
Em um dos piores momentos, ele e a família viram-se obrigados a dormir na rua. "Eu olhava para os rostos das minhas crianças, encolhidas no frio intenso em Gaza, perto do mesmo hospital onde enterrei Zhora." Divorciado, Nuraldin cuida dos filhos; a ex-esposa trocou Gaza pela Bélgica em 2018.
Confiança
Nuraldin espera pela paz. "Perdemos a confiança em todos há muito tempo. Ambos os lados poderiam ter interrompido a guerra e evitado tantas perdas. Espero uma paralisação da guerra, a fim de deter o banho de sangue." Apesar da exigência de Trump para que Netanyahu parasse com os bombardeios, Nuraldin disse que "nada cessou até agora". "Somente hoje (4/10), 70 morreram."
Enquanto o jornalista Motasem Dalloul, 46, falava ao Correio, era possível escutar o som dos drones sobre Gaza. A guerra tem sido particularmente atroz com ele. "Vivemos um pesadelo sem precedentes e inimaginável. Os piores momentos foram quando recebi a notícia de que Israel matou minha esposa e nossos filhos, Abu Baker, 2, e Yahya, 4", disse. Abu Baker e a mãe morreram em um bombardeio; Yahya foi atingido na cabeça por um sniper e atropelado por um tanque. Dalloul considera "muito importante" a decisão do Hamas para que "a ocupação pare o genocídio".
Pai de cinco, Abdel Fattah Al Buhairi,35, viveu o momento mais difícil da guerra quando as Forças de Defesa de Israel (IDF) invadiram a área em que moravam. O medo apossou-se do corpo do técnico ceramista. "As crianças estavam sozinhas; eu fiquei de fora, tive que entrar à força, sob bombardeios, para poder tirar meus filhos de lá", lembrou. Abdel e a família precisam da solidariedade. "Minha vida depende de doações, dormimos dias sem comer nada." Sobre o possível silenciar das bombas, ele desabafou: "Torço para que tenhamos paz, mas não espero por isso."
"A guerra roubou minha antiga vida, mas não meu coração — ele resiste e carrega a saudade de todos aqueles pequenos detalhes que um dia significaram tudo para mim", desabafou à reportagem o também jornalista Abood Abu Salama, 28, morador do campo de refugiados de Jabalia."Depois de dois anos de dor e luto, minha vida mudou completamente. Antes da guerra, ela era muito simples. Eu só sonhava com a liberdade. Todos os dias, fotografava as crianças e compartilhava suas alegrias simples. Meus amigos e eu tomávamos café e assistíamos a partidas de futebol. Às vezes, eu ia com a família para o mar, compartilhando pequenos momentos que, para mim, eram tudo. Meu Deus, como sinto falta da minha vida", disse. Na terça-feira, ele teve a casa bombardeada.
Ativistas deportados por Israel após a interceptação de sua flotilha com destino a Gaza denunciaram terem sido "tratados como animais". A Global Sumud zarpou em setembro de Barcelona. Israel deteve 400 pessoas e iniciou as expulsões na sexta-feira (3/10). Cento e trinta e sete ativistas chegaram a Istambul, entre eles Nicolas Calabrese, argentino-italiano que fazia parte da delegação brasileira. O brasiliense Thiago Ávila e três outros membros iniciaram uma greve de fome.
A proposta de Trump
O texto de 20 tópicos foi anunciado na sexta-feira pelo presidente dos Estados Unidos e aprovado pelo primeiro-ministro de Israel, Benjamin Netanyahu. Os principais pontos são:
Fim da guerra e libertação de reféns
Se ambas as partes aceitarem o plano, a guerra terminará de imediato. Depois, todos os 47 reféns sequestrados pelo Hamas deverão ser devolvidos. Em troca, serão libertados 250 palestinos condenados à prisão perpétua e outros 1.700 detidos. O plano também prevê a retirada do comando de Netanyahu de Gaza em etapas.
Trump, "presidente"
A Faixa de Gaza será governada temporariamente por um comitê especializado. Isso sob a supervisão e controle de um novo organismo internacional de transição, o Comitê de Paz, presidido por Donald Trump.
Investimentos
O plano lança a ideia de transformar Gaza na "Riviera do Oriente Médio", para "reconstruir e revitalizar" a região. Será formado um grupo de especialistas para a criação de "algumas das cidades modernas mais prósperas do Oriente Médio". Também é prevista uma "zona econômica especial" com tarifas especiais.
Sem influência
O Hamas será excluído do governo de Gaza. Os membros do movimento que depuserem as armas e aceitarem a coexistência pacífica com Israel deverão assinar uma "anistia". Quem quiser deixar Gaza terá direito a uma passagem protegida.
Força de Estabilização
O plano prevê uma mobilização imediata de uma "força internacional de estabilização" na Faixa de Gaza, com o apoio dos Estados árabes. A iniciativa treinará a polícia palestina e agirá para garantir a segurança com Israel e Egito.
Estado palestino?
Trump considera um papel para a Autoridade Palestina, que poderá, eventualmente, "recuperar o controle de Gaza de forma segura e eficaz". Também não descartou a criação de um Estado palestino, apesar da firme oposição de Netanyahu.
Centenas de milhares saem às ruas da Europa
Centenas de milhares de pessoas foram às ruas, em toda a Europa, para exigir o fim imediato do conflito na Faixa de Gaza e a libertação dos ativistas detidos a bordo de uma flotilha humanitária interceptada por Israel. Em Roma, a manifestação tomou as ruas pelo quarto dia consecutivo. Os organizadores anunciaram 1 milhão de manifestantes, que também passaram pelo Coliseu (foto). A polícia italiana não divulgou uma estimativa de participação. Em Barcelona, cerca de 70 mil manifestantes, segundo a polícia, percorreram a cidade em um clima de paz. Em Dublin, milhares de pessoas saíram em passeata no centro da capital irlandesa para lembrar o que os organizadores chamaram de "dois anos de genocídio" na Faixa de Gaza. Em Londres, a polícia reportou 355 prisões durante uma concentração em apoio ao grupo proibido Ação Palestina. O primeiro-ministro Keir Starmer pediu o cancelamento dos protestos deste fim de semana, após um ataque sangrento a uma sinagoga na última quinta-feira.

