O nosso terremoto é cultural

Juliana Barreto
Urbanista e professora de arquitetura do Centro Universitário UNIFBV

Publicado em: 27/03/2019 03:00 Atualizado em: 27/03/2019 08:32

Temos acompanhado atônitos o dramático caso do desalojamento das famílias do Edifício Holiday, sob as justificativas de vulnerabilidade estrutural e riscos de incêndio. Quadro de ameaça que não apenas afeta a icônica edificação, como se torna extensivo às demais de valor histórico e arquitetônico ainda presentes em nossa cidade – retrata a hostilidade cultural às práticas de manutenção e conservação preventiva dos bens materiais, que ainda é tão enraizada nos moldes nacionais. Relega-se à sorte do tempo o valor de integridade, que deveria ser a ordem do dia no campo da preservação patrimonial.

Noutros contextos geográficos, terremotos e ciclones, bombardeios e ataques terroristas, colocam um reversível ponto final na história dos bens culturais das antigas cidades patrimônio – os debates de restauro e reconstrução, entre outras modalidades, prontamente assumem a força suficiente capaz de devolver às cidades e seus cidadãos novas soluções e oportunidades de desfrute artístico e cultural de seu passado relevante. Assim aconteceu com o Campanário da Praça de São Marcos, em Veneza, e com o centro mais antigo de Lisboa, ambos reconstruídos pós-sinistro, em nome de um valor urbanístico que não se aceitou perder. Assim também ocorreu com o Palácio de Queluz, em Sintra, reconstituído após incêndio de grandes proporções, para além dos casos das cidades europeias reconstruídas no pós-guerra.

São alguns dos muitos eventos a serem considerados em uma discussão crítica e efetiva acerca do futuro do Edifício Holiday. Sua construção na paisagem balneária de Boa Viagem, chamou a atenção do artista plástico Wilton Souza, que, na década de 1960, entusiasmou-se diante de “um grandioso conjunto de sensibilidade plástica e harmonia artística”. Ao lado do Edifício Acaiaca e do Califórnia, seus contemporâneos, a região que era buscada pelos banhos de mar, pela água de coco e pelas moças de maiô foi poetizada pelo mesmo artista como a “Copacabana do Recife”, em uma alusão àquela praia carioca.

Um marco da arquitetura moderna no Recife, de composição formal e implantação privilegiadas no cenário urbano, não surte efeito e nem ganha voz entre os debates preservacionistas institucionais, o que nos traz a preocupação sobre o seu misterioso destino, já que temos presenciado tristes casos de demolições em sua vizinhança, como o Edifício Caiçara e a Casa Navio. Discutir o futuro desse legado é dever de todos nós e compromisso com a nossa memória urbana. Carece de atenção os modos de recuperação e restauro do Holiday para sua urgente reinserção na paisagem e saudável devolução aos seus moradores, que, bem ou mal, garantiram sua permanência no tempo por quase 60 anos. Não deixemos, portanto, que nosso “terremoto cultural” fique sem resposta.

Os comentários abaixo não representam a opinião do jornal Diario de Pernambuco; a responsabilidade é do autor da mensagem.