A metamorfose do hábito de ler notícias
De páginas dobradas ao toque na tela, a relação entre o jornal e o público reflete mudanças sociais, tecnológicas e afetivas
Publicado: 07/11/2025 às 13:47
O Diario acompanha o casal desde a época em que Izabel lecionava na rede estadual (Crysli Viana/DP Foto)
Ao longo de seus 200 anos de existência, o Diario sempre foi um espelho de quem o lê, já que não apenas narrou a história de Pernambuco e do Brasil, mas também participou ativamente dela, moldando opiniões e registrando os momentos marcantes. Não importa a origem ou a profissão, cada leitor reflete uma época e um modo de se informar. Juntos, eles são o elo entre o cotidiano e a memória.
Moradores do bairro de Rio Doce, Olinda, na Região Metropolitana do Recife, o casal Marconio e Izabel Fabricio, junto há 53 anos, mantém um hábito que perdura há décadas: todos os dias, assim que acordam, leem o Diario de Pernambuco em sua versão impressa.
Às 6h da manhã, a casa recebe o jornal do dia. Antes do café, Izabel lê todas as manchetes, principalmente as de Vida Urbana e Economia, para compartilhá-las com o marido; ele, ao pegar o jornal, vai direto para o caderno de Esportes. O Diario acompanha o casal desde a época em que Izabel lecionava na rede estadual. “Naquele tempo, eu já recebia em casa, lia para as pesquisas para a escola. Depois me aposentei e continuamos assinando”, lembra a professora.
Apesar da preferência pelo jornal impresso como principal fonte de notícias ter diminuído nos últimos anos, o Diario segue acompanhando seus leitores. Marconio diz que ler o jornal físico é, para ele, um hábito inegociável.
“Comecei a ler jornal quando era aquele bem grande. Eu só leio o jornal em folha, não gosto muito disso de celular. Ela já quis tirar a assinatura. Depois eu disse, ‘não, não, não, continue’, porque eu gosto de Esportes”.
Enquanto o marido mantém distância do digital, Izabel aprendeu a transitar entre as maneiras de se informar e enxerga a evolução de maneira positiva.
“Leio o digital às vezes. Se tem alguma história que me chama atenção, eu olho as redes sociais e acho muito bom mesmo porque a gente consegue ver de qualquer lugar”. Esta visão reflete as mudanças no consumo de notícias para o ambiente digital, um cenário bem diferente daquele encontrado nas origens do Diario, há 200 anos.
NOSSO LEITOR
Em 1825, o Diario começou como um "caderno de anúncios", com foco em informações de utilidade pública. A proposta era facilitar transações e comunicar notícias de interesse popular. Na época, o público leitor era restrito à elite letrada, incluindo comerciantes, proprietários de terras, políticos e intelectuais. A alta taxa de analfabetismo e do custo dos periódicos faziam da leitura um símbolo de status social.
Com o avanço tecnológico na impressão, a melhoria da infraestrutura de transporte e o aumento gradual da alfabetização, o Diario começou a atingir um público mais diversificado. Embora sua audiência fosse predominantemente urbana e de classe alta, a base de leitores se expandiu para incluir profissionais liberais, funcionários públicos e uma crescente classe média.
A chegada do rádio e, posteriormente, da televisão, trouxe novas formas de consumo de notícias, mas o impresso manteve sua relevância como fonte de análise aprofundada e de nobre registro histórico. A credibilidade e a qualidade editorial do Diario foram fatores cruciais para a lealdade de seus leitores.
Mesmo com o avanço de outras mídias, muitos mantiveram o vínculo afetivo com o papel. É o caso da dentista Rosa de Melo, que foi assinante do Diario até se mudar do Recife a trabalho. Hoje, ela acompanha o jornal pelo site, entre um atendimento e outro no consultório. “Vejo as notícias hoje no digital, é mais rápido, fácil, prático, mas sinto falta do jornal impresso, do olhar que passeava entre letras e imagens. Você procurava as notícias, era como um garimpo.”, conta.
Apesar da praticidade do digital, Rosa confessa que ainda sente falta da experiência sensorial da leitura no papel. “A sensação tátil do papel nos dedos, o cheiro da tinta, até o barulho das páginas sendo viradas me faz falta. Tinha toda uma lógica na separação dos cadernos, no jeito de folhear. E o melhor era poder recortar o que interessava, guardar. Pode ser só nostalgia, eu sei, mas era outro tipo de relação com a notícia, não dependia de um algoritmo que nem sei bem como é feito.” explica Rosa.
@DIARIODEPERNAMBUCO
O cenário atual de consumo de mídia no Brasil é dominado pelo ambiente digital. Segundo uma pesquisa realizada pela DataReportal, em 2025, 86,6% da população brasileira era usuária de internet, com 144 milhões de usuários ativos em mídias sociais, sendo WhatsApp, YouTube e Instagram as principais plataformas para notícias.
Hoje, o Diario atua em múltiplas frentes: site, redes sociais, vídeos e podcasts. Essa transformação reflete uma mudança na maneira de consumir o jornalismo e expande o alcance do jornal, atraindo especialmente o público mais jovem e conectado.
Maria Lima, além de jornalista, é leitora assídua das redes sociais do Diario. Para ela, a força do jornal está justamente nessa capacidade de mutação. “Mesmo após dois séculos, o Diario mantém uma relevância rara. Ele compreendeu que credibilidade se preserva com atualização constante. A adaptação para o digital não foi apenas técnica, foi editorial”.
O comportamento de leitura do público das redes também se fragmentou. O hábito de “clicar no link” e ler a matéria completa convive com o consumo rápido das postagens. “Tenho o hábito de acessar os links para ler as matérias na íntegra. No entanto, quando tenho pouco tempo, opto por consumir as publicações feitas diretamente nas redes sociais”, conta Maria.
O leitor atual do DP possui um perfil híbrido e diversificado. Embora uma parcela menor, mas leal, ainda prefira a experiência física do jornal impresso e a profundidade de suas análises, um número crescente de leitores utiliza as plataformas digitais do periódico. Este público busca agilidade, interatividade e a praticidade de acessar o conteúdo em dispositivos móveis. Mesmo após 200 anos o Diario segue se reinventando e equilibrando a tradição de seu legado com as demandas do futuro digital.