Os Diários Associados de Assis Chateaubriand
Antes da era das redes sociais, o Brasil já tinha um homem capaz de transformar a comunicação em ferramenta de poder. Era Assis Chateaubriand, figura que deixou uma marca profunda na história do Diario de Pernambuco e do jornalismo brasileiro
Publicado: 07/11/2025 às 00:49
O jornalista e empresário paraibano Assis Chateaubriand fundou a TV Tupi (Foto: TV Tupi/Reprodução)
Chatô, o Rei do Brasil - apelido que virou livro e filme - fez do próprio nome uma marca, que acabou em escolas, avenidas, rodovias e até em uma cidade. Ao integrar o Diario ao seu império dos Diários Associados - o maior conglomerado de mídia da América Latina - , Francisco de Assis Chateaubriand Bandeira de Mello escreveu mais um grandioso capítulo à sua trajetória com o jornalismo que permanece até hoje.
Antes mesmo de seu nome aparecer assinado como um dos donos do jornal, e mesmo antes de revolucionar a mídia nacional com as suas estratégias de negócios e comunicação, o legado de Chatô já estava previsto na diagramação das antigas páginas do Diario: "Assis Chateaubriand inaugurou no Brasil um jornalismo novo que não tem nada das diatribes dos arcaísmos que conspurcam a imprensa jornalística no Brasil”, dizia uma das edições do jornal em dezembro de 1926.
Apesar do sobrenome estrangeiro, que lhe foi dado pelo pai como homenagem a um escritor francês, Chatô nasceu em Umbuzeiro, na Paraíba. Mudou-se para o Recife na juventude, e foi em Pernambuco que iniciou a carreira jornalística, com 14 anos, escrevendo para o periódico O Pernambuco. De um ofício comum, surgiu a vocação que o seguiria pelo resto da vida. Segundo os cálculos do Gilberto Amado, jornalista autor do ensaio Assis Chateaubriand: traços para um estudo, foram mais de 15.000 artigos escritos pelo paraibano ao longo do exercício da profissão.
O vínculo de Chateaubriand com o Diario é antigo. O pesquisador e jornalista Tércio Amaral relembra um registro da biografia Chatô, Rei do Brasil, escrita por Fernando Morais. “Ele, que tinha um texto impecável, não tinha sido alfabetizado ainda quando estava com 10 anos. E os exemplares do Diario de Pernambuco, que ficavam no porão da casa de sua família, no bairro de Apipucos, na Zona Norte do Recife, serviram como cartilha nesse primeiro contato com a leitura”.
Enquanto estudante da Faculdade de Direito do Recife, foi redator do Diario, e, aos 20 anos, redator-chefe. Ao se formar, ocupou o cargo de professor de direito romano e de filosofia do direito na mesma instituição. Em 1917, mudou-se para o Rio de Janeiro para iniciar a carreira de advogado. Entre seus clientes, estava a Companhia Light And Power, empresa canadense que fornecia serviços essenciais para o Brasil. O posicionamento defensivo de Chateaubriand na organização - não só na área jurídica, mas também, na imprensa, onde ainda trabalhava ativamente, no Jornal do Brasil e no Correio da Manhã - ratificou seus fortes interesses em capitais estrangeiros e participação em setores conservadores que viam o futuro do país na iniciativa privada.
O trecho do Diario já citado sobre Chateaubriand pertence a um artigo publicado no jornal sobre o lançamento do seu livro Terra Desumana, obra em que criticava o governo do ex-presidente Arthur Bernardes, conhecido por sua postura autoritária e repressão a opositores. Além de mostrar o prestígio que Chatô já possuía no DP, o texto também evidenciava o respeito que despertava em torno de um de seus maiores fascínios: a política.
O interesse de Chateaubriand nesta área era inerente às suas escolhas na carreira de jornalista e escritor. Suas estratégias de carreira ajudaram a construir o caminho que o levaria a ocupar o cargo de senador, primeiro pela Paraíba (1952) e depois pelo Maranhão (1955). A eleição que o levou ao Senado foi amplamente contestada, cercada por denúncias de fraude e interferência política. Mais tarde, a convite do presidente Juscelino Kubitschek, aceitou o posto de embaixador do Brasil na Inglaterra - mas exerceu o mandato, por maior parte do tempo, diretamente do Brasil.
Além de amante da política, Chateaubriand foi também um incentivador da cultura no Brasil durante o século 20, utilizando sua influência para promover artes, música, cinema e literatura. Foi ele o responsável pela criação do icônico Museu de Arte de São Paulo (MASP), e pela realização de exposições que trouxeram artistas internacionais ao país, aproximando o público brasileiro das vanguardas artísticas mundiais.
Segundo a professora de História do Jornalismo da Universidade Federal da Paraíba (UFPB), Suelly Maux, existia o jornalismo antes e depois de Assis Chateaubriand. Para ela, a maior diferença, iniciada por ele, foi reconfigurar o jornalismo: o que era um bem social e educativo, virou uma indústria de capital.
“Essa relação de troca era centrada na própria mídia dele, porque ele criou um monopólio. Foi uma coisa séria no país: ele era temido e amado ao mesmo tempo, por presidente, senadores... Ele foi embaixador, senador, empresário, jornalista, professor universitário. Chateaubriand era tudo isso e dono dos Diários Associados”.
“O Diario é o líder em Pernambuco em redes sociais. Hoje, a vitrine da comunicação são as redes sociais. Provavelmente, essa seria a lógica de Chatô: ele estaria inovando e dando força às novas mídias, como ele fez com TV quando ninguém acreditava que seria um meio de comunicação viável para o país”, diz Tércio.
Os Diários Associados
O rumo magnata de Chateaubriand se inicia com a compra de O Jornal, veículo carioca que estava em falência, em 1924. O Brasil ainda não sabia, mas este era o início de um império que moldaria o país nos bastidores por mais de trinta anos.
Após O Jornal, uma sequência de grandes compras firmou a transição de Chatô de jornalista para grande empresário. Então Ministro da Fazenda, o ex-presidente da República Getúlio Vargas o ajudou a fundar, em 1927, a revista O Cruzeiro, que alcançaria a maior tiragem da América Latina. Foram muitos outros veículos que, em seguida, passaram a fazer parte dos Diários Associados, alguns deles com grandes nomes até hoje, como o Estado de Minas e o Correio Braziliense.
No auge, as suas posses acumularam 34 jornais impressos, 36 emissoras de rádio, 18 estações de TV e uma agência de notícias, além da revista o Cruzeiro e a editora A Cigarra. “Ele cria no Brasil a lógica de rede de comunicação, de jornais que funcionavam como uma rede, com emissoras de televisão em todas as regiões no país com uma mesma direção. Chatô criou a lógica do que hoje é o Grupo Globo, e os Diários Associados, no seu auge, tiveram muito mais influência do que o grupo controlado pela família Marinho”, explica Tércio Amaral. “Isso também ajudou a criar uma noção de país, de informar aos locais mais longínquos, de padronizar formas e modelos de se comunicar. Ele foi pai da comunicação moderna no Brasil.”
O grupo começou com os impressos, mas, a partir de 1934, Chateaubriand entrou com posses no rádio, com as compras da estação Tupi do Rio de Janeiro e da Rádio Tupi de São Paulo. A primeira emissora de televisão da América Latina foi outra cortesia sua para a comunicação no país: há 75 anos, a inauguração da TV Tupi colocava o Brasil em um patamar mais alto de modernização. Em edição do Diario de Pernambuco, o acontecimento era celebrado com altas expectativas para o futuro: “A inauguração da Televisão Tupi está despertando interesse em todas as camadas sociais e será, sem dúvida, um acontecimento ímpar no país e em toda a América Latina.”
Nesse contexto de inovação jornalística e midiática estava inserido o Diario, adquirido com respeito por Chateaubriand em 1931. “Com a incorporação do Diario aos Associados, a empresa se consolida como um grupo de mídia forte em Pernambuco. [...] Isso mostra também a força que os Diários Associados já exercia ao poder efetuar essa aquisição”, explica Tércio Amaral.
Diario associado
Em carta escrita ao antigo dono do Diario, Carlos Lyra, Chateaubriand diz que comprar este jornal seria a mesma coisa de comprar a Faculdade de Direito ou o convento de São Francisco: “Creio que você não acreditará que tenhamos a falta de gosto e de espírito de pensar que adquirimos o 'Diário de Pernambuco”.
O Diario já era uma instituição centenária e o jornal mais importante da região Nordeste quando começou a fazer parte do império de Chatô. Este jornal se fez presente de forma memorável na vida de Chateaubriand e na história de Pernambuco. Por isso, se explica um apreço especial na aquisição deste veículo para fazer parte dos Associados.
Aos 19 anos, ele defendeu a legalidade da eleição do Conselheiro Rosa e Silva para governador do estado, e lutou pela circulação do Diario de Pernambuco quando o estado passava por um dos seus momentos mais tensos politicamente. “Ele dizia que um partido político poderia ser fechado, mas um jornal nunca deveria parar de circular”, conta Tércio. Na época, mesmo com edições curtas, o jornal ainda foi veiculado.
O fim de uma era, a celebração de outra
O último veículo a fazer parte dos Diários Associados de Chateaubriand foi o Jornal do Comércio, do Rio de Janeiro, em 1959. No mesmo ano, temeroso pela continuidade do império após sua morte, o jornalista distribuiu 49% das ações do conglomerado entre 22 auxiliares, incluindo os seus dois filhos, e instituiu o condomínio acionário das Emissoras e Diários Associados.
O diagnóstico de uma trombose cerebral dupla em 1960 selou os últimos anos de Chateaubriand e da era de ouro dos Diários Associados. Em 1962, ele doou os 51% restantes das ações aos seus auxiliares. Mesmo com a enfermidade, que o tornou paraplégico e dificultava sua fala, sua onipresença comunicacional existia através do uso de uma máquina de escrever adaptada, onde produzia os textos que ainda apareciam em seus jornais. O empresário persistiu na vida e no trabalho por 8 anos, mas faleceu no dia 4 de abril de 1968, por sérias complicações de saúde.
Morte, crise, colapso
Devido a diferenças profissionais entre João Calmon, empresário e jornalista que assumiu a presidência após a morte de Chatô, e um dos filhos do falecido, Gilberto Chateaubriand, o império dos Associados entrou em crise. Assim, o conjunto de veículos perdia influência e poder econômico, ao mesmo tempo em que a Rede Globo, lançada em 1965 por Roberto Marinho, se expandia rapidamente com investimentos da Ditadura Militar. Em 1980, a TV Tupi e sua rede de repetidoras foram à falência. O colapso marcou um final, mas veículos como o Diario de Pernambuco resistiram, preservando a distinção do grupo no panorama da imprensa brasileira.
De acordo com a professora Suelly Maux, além da presença oligárquica de Chateaubriand, a sua herança no jornalismo se relaciona diretamente a como o povo passou a enxergar a importância política, econômica e social do que era pautado. “Esse homem teve visão para o futuro de um grande reconhecimento no Brasil, da América Latina, na história da imprensa, no jornalismo mundial. Não se deve jamais excluir Assis Chateaubriand nessa perspectiva. Ele foi como um oráculo para o que temos hoje.”
Em 2025, o Condomínio Acionário dos Diários Associados completa 101 anos de relevância ao lado do povo brasileiro. Os veículos que permanecem, unidos inicialmente pela genialidade empresarial de Assis Chateaubriand, continuam sua missão de informar com responsabilidade e participar do cotidiano popular, com abrangência nacional. Ainda são jornais, revistas, rádios e emissoras de televisão que trilharam um caminho extenso para fazer parte do jornalismo brasileiro com dignidade.