Futebol, suor e lágrimas

Tiago Carneiro Lima
Sócio de Lima e Falcão Advogados

Publicado em: 19/06/2018 03:00 Atualizado em: 19/06/2018 08:42

Sonhar sempre é bom.

Claudio Abramo imaginava, em “sonhos acordados”, que El Che e Ho Chi Minh dormiam o sono dos justos. Imagino, eu, o que eles sonhavam...

As lágrimas do autor do gol do México contra a Alemanha, no final do jogo deste último domingo, fizeram-me sonhar.

O rosto dos jogadores dos países que estão abaixo da linha do que se considera um país com justiça social é o retrato do nosso desigual planeta. Eles têm “cara-de-pobre”.

Uma legião de garotos de periferia, da classe média-apertada, à procura de um lugar ao sol: pobreza, violência, vida em favelas, péssimas escolas, alimentação parca e sem qualidade. Um jogo que começa e termina com o placar de zero x zero nas oportunidades na vida.

A bola girando, o mundo nos pequenos pés. Rostos maltratados, camisas surradas, peso enorme nas costas. O poeta mineiro poderia até falar de ter apenas dois pés, e um sentimento de mundo.

Nas lágrimas do mexicano, sonho eu, imagino a emoção da conquista: pelo menos daquela vez, poderia dizer: veni, vidi, vici.

A lembrança dos tempos difíceis. Avós, pais, irmãos, companheiros de peladas... – tanta gente deixada ao longo dos caminhos da vida.

A raiva, a frustração da infância sofrida, dos ônibus decadentes, das refeições de meia-boca, das desesperanças. Um gol, apenas um gol, e ainda representando a explosão da revolta de poucos contra muitos. Ou, de forma matemática e mais verdadeira, de muitos contra poucos.

Outro dia, um estagiário do escritório onde trabalho disse-me que seus amigos de adolescência ou tinham morrido, ou traficavam, ou eram viciados em alguma coisa, ou tinham sido vencidos pelas intempéries da vida. Ele, com uma pelota diferente, ainda era uma exceção.

Mané Garrincha, Jorge Vasconcelos, Sócrates. Diferentes caminhos, diversas oportunidades, finais iguais. Os jogadores têm vida curta para fazerem o chamado “pé-de-meia”. Carreiras de meias verdades, prazeres passageiros, sonhos efêmeros. No Brasil, o triste retrato de ser tudo, ou de ser nada.

Visitamos as Termas de Caracala, os anfiteatros gregos, as magníficas obras de Adriano. A História real pesando nos nossos ombros e uma vida inteira à nossa frente.

Mas, tal qual em estádios vazios, fechamos a porta das nossas mentes e colocamos no passado a chance de mudar a história do nosso Brasil. Privilégios, privilégios, privilégios. Conforto, conforto, conforto. Usar a Nação para o nosso sempre e sempre individual bem-estar. “Sempre e sempre” é o meu gol de todo dia...

Até parece que Caracala não representa mais a velhice e decadência dos senadores do Império Romano. Até parece que Adriano, e falo do Grande Adriano, quando escreveu “Animula vegula, blandula,... Pallidula, rigida, nudula, Nec, ut soles, dabis locos”, não morrera triste, amargo, vazio.

Final de jogos aqui no Brasil. As portas dos estádios se fecham... Algum menino de rua ainda olha, extasiado, para aquele grande monumento. Talvez venha a ver o choro incontido do jogador mexicano nalguma vidraça de algum bar onde passa o videoteipe do jogo deste último domingo.

E algum sem-nada-da-vida ajuntará seus trapos para dormir à margem do estádio vazio. E sonhará... Talvez no único ponto da existência onde nós o encontraremos.

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