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Realizadores pernambucanos sobre compra da Warner pela Netflix: "Torna regulação do streaming ainda mais urgente"

Cineastas pernambucanos Marcelo Gomes e Gabriel Mascaro, além de produtores e especialistas, demonstram preocupação com alta concentração da propriedade

Andre Guerra

Publicado: 11/12/2025 às 05:00

Disputa pelo controle do estúdio centenário tem preocupado diferentes setores da cadeia produtiva do audiovisual/Patrick T. Fallon / AFP

Disputa pelo controle do estúdio centenário tem preocupado diferentes setores da cadeia produtiva do audiovisual (Patrick T. Fallon / AFP )

Na última semana, o mundo do entretenimento virou de cabeça para baixo com um anúncio que pode representar profundas mudanças na indústria cinematográfica. Trata-se do acordo de venda da Warner Bros. Discovery para a Netflix pelo valor de aproximadamente 82,7 bilhões de dólares. A divulgação do fechamento desse negócio gerou uma série de especulações no meio do audiovisual, com o Sindicato dos Diretores (DGA) e dos Roteiristas (WGA) da América, nomes criativos e entidades entrando em cena para expor as suas preocupações com a aquisição — que, se concretizada, representará uma das maiores de todos os tempos no setor.

Apesar do tema parecer distante para o espectador casual, essa compra gigantesca pode representar significativas mudanças (ou acelerá-las ainda mais) na produção e no consumo de filmes. Fundada em 1923, a Warner é um dos cinco grandes estúdios tradicionais de Hollywood (sendo os demais: Disney, Paramount, Sony e Universal) e detém não apenas os direitos de clássicos como Casablanca, 2001: Uma Odisseia no Espaço, Matrix O Senhor dos Anéis, como o controle sobre canais por assinatura e plataformas de peso, como HBO e HBO Max, principal concorrente da Netflix hoje.

Caso seja autorizada pelos órgãos de regulação dos Estados Unidos, a fusão das duas empresas pode comprometer tanto a diversidade das produções quanto a liberdade criativa dos realizadores. Em entrevista ao Diario, o diretor Marcelo Gomes (de Cinema, Aspirinas e Urubus) afirma que toda uma cadeia produtiva pode sair prejudicada se a venda se concretizar. “A Netflix deve continuar priorizando sua plataforma em detrimento dos lançamentos em salas, o que não é bom para exibidores, distribuidores e produtoras independentes”, aponta.

“Esse fortalecimento deles torna a regulação das plataformas ainda mais urgente no Brasil. As falhas no texto aprovado no Congresso, que deixam os serviços de streaming produzirem conteúdo próprio ao invés de contribuírem para os fundos nacionais, sabotam a produção independente, gerando um cinema brasileiro excessivamente controlado por big techs e seus algoritmos”, acrescenta Marcelo.

Nos últimos dias, a Paramount apresentou uma nova oferta de aproximadamente 108 bilhões de dólares, superando o valor acordado entre Warner e Netflix. Apesar de nomes como James Cameron (de Titanic e Avatar) argumentarem que a opção seria melhor para o estúdio centenário, por representar menor risco para as salas de cinema, o temor em relação à alta concentração de propriedade permanece. “Defender um campo audiovisual menos concentrado não é uma posição contra nenhuma empresa específica, mas sim uma posição a favor da diversidade”, afirma Gabriel Mascaro, diretor de O Último Azul. “Quando o ecossistema audiovisual se estreita, inevitavelmente se estreita também a multiplicidade de vozes, narrativas e perspectivas”.

O debate segue movimentando e reacendendo uma série de discussões no setor e pode ter implicações muito mais próximas à nossa realidade do que se pode imaginar. “Esses conglomerados chegam com muita força e deixam pouco espaço para quem cria daqui, com nossas histórias e nossos modos de ver o mundo. Quando uma única plataforma domina tanto, o produtor independente vira um prestador de serviço substituível e isso é devastador para a diversidade cultural”, afirma a produtora pernambucana Juliana Lira. “Não é só mercado, é identidade, é futuro”.

Juliana Lira, produtora e distribuidora pernambucana de filmes como 'O Ano em que o Frevo Não Foi pra Rua' e 'Vou Tirar Você Desse Lugar' - Divulgação
Juliana Lira, produtora e distribuidora pernambucana de filmes como 'O Ano em que o Frevo Não Foi pra Rua' e 'Vou Tirar Você Desse Lugar' (crédito: Divulgação)

Filipe Falcão, professor e pesquisador audiovisual, alerta ainda para os possíveis reflexos desse acordo na produção brasileira. "Preocupa muito o impacto no mercado, porque quando você fala em ver filme na plataforma em casa, é uma maneira muito mais fácil. Para o filme ter o selo 'Netflix', ele precisará se adequar a essa lógica", afirma. "Pode parecer assustador, mas não é difícil imaginar que o fechamento dessa venda represente um exemplo para países como o nosso, que não têm uma indústria consolidada e, assim, acabem pasteurizando a sua produção pensando unicamente em visualizações numa plataforma".

O também professor e pesquisador Laécio Ricardo destaca como essa concentração de uma fatia tão extensa do mercado em um único grupo tende a empobrecer a linguagem dos filmes. "Uma edição cada vez mais rápida, um texto cada vez mais palatável e uma estética pensada para a televisão estão entre as características do que a gente poderia chamar de 'netflixação'", explica. "Não quer dizer que não haja boas obras na plataforma, claro que há. Mas é evidente que existe uma diferença grande entre projetos feitos e pensados para a tela do cinema e outros que visam uma tela de televisão ou mesmo de notebook, tablet ou celular", completa.

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