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Biografia mostra Arlindo Cruz como homem generoso e sambista perfeito

Amigo do saudoso Arlindo Cruz, o produtor musical Marcos Salles percorre pela vida e obra do músico, reunindo depoimentos e histórias inéditas na biografia O Sambista Perfeito

Allan Lopes

Publicado: 12/08/2025 às 04:00

Arlindo Cruz faleceu na última sexta-feira (8)/Foto: Divulgação

Arlindo Cruz faleceu na última sexta-feira (8) (Foto: Divulgação)

O Show Tem Que Continuar, Meu Lugar, Camarão que Dorme a Onda Leva/Bagaço da Laranja… a lista de sucessos entre as mais de 750 músicas gravadas por Arlindo Cruz, que nos deixou na última sexta-feira, poderia preencher este texto de ponta a ponta. A partir desse repertório monumental, que o consagrou como o Sambista Perfeito, também brota uma generosidade rara, eternizada em cada melodia e que está registrada na recém-lançada biografia homônima, assinada pelo produtor musical Marcos Salles e publicada pela editora Malê.

Era um livro que o autor adiava há anos, acreditando que outros estivessem escrevendo. Até que, em 2021, veio o chamado definitivo: Babi Cruz, então esposa de Arlindo, deixou claro que ninguém melhor do que ele para dar voz a esse legado. “Foi uma confiança muito valiosa, já que recebi toda a história dele e de toda a família”, explica Marcos, em conversa com o Viver. Além das memórias e entrevistas com o músico, houve a colaboração do jornalista Hilton Mattos, que chegou a iniciar a biografia, mas não pôde concluí-la.

A obra oferece um panorama detalhado da vida do cantor e compositor, desde suas raízes como cria de Madureira, do pai que tocou com o saudoso Candeia e foi preso durante perseguição dos esquadrões da morte, da vivência na Escola Preparatória de Cadetes do Ar (Epcar) de Barbacena, em Minas Gerais, e da sua ascensão, começando como substituto de Jorge Aragão no Fundo de Quintal. O relato não se limita apenas às conquistas artísticas, mas também traça a luta do músico contra a dependência química e o AVC, que interrompeu sua produção artística e deu início a um longo período de limitações físicas.

Amigo próximo de Arlindo desde que passou a frequentar o Cacique de Ramos, reduto sagrado do samba carioca, o autor narra os dias que antecederam o episódio logo nas primeiras páginas. “O derrame aconteceu em uma sexta-feira e, na segunda, eu já estava com ele. Isso foi significativo para mim”, recorda-se Marcos. Naquele 17 de março de 2017, Arlindo teria três shows em São Paulo, uma rotina exaustiva para um corpo já combalido pela artrose, pela diabetes e pela dependência da cadeira de rodas.

Entre os mais de 120 entrevistados, como Zeca Pagodinho, Maria Rita e Regina Casé, destaca-se o depoimento de Maria Bethânia sobre o desejo de Arlindo gravar um álbum inteiro dedicado a Caetano Veloso, que ela mesma produziria. “Ninguém sabia. Ele estava tratando diretamente com Bethânia”, explica Marcos. Embora as sequelas do AVC tenham interrompido o projeto, nada apagou o que o sambista já havia construído. “Conseguir as informações não foi difícil e, sim, segurar a emoção. Em vários momentos, precisávamos parar para chorar, lembrando do Arlindo”, conta o produtor, emocionado.

Seja para quem desconhece a trajetória do cantor ou para quem deseja aprofundar seu conhecimento, cada página virada traz novas camadas de entendimento – sobre o artista, sobre a música brasileira e sobre a própria essência do samba que Arlindo tanto amou. “Ler este livro é receber uma lição de vida e refletir sobre tudo o que ele viveu”, avisa Marcos. “É um exemplo de homem negro, gordo e suburbano que venceu”, completa. E continuará vencendo enquanto seu samba tocar, até o último segundo.

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