"Hoje as condições são tão difíceis como quando começamos", diz guitarrista Marcelo Gross
Em show no Recife, guitarrista gaúcho Marcelo Gross revisitou sucessos da carreira solo, da banda Cachorro Grande e de referências musicais
Publicado: 01/08/2025 às 16:21

Guitarrista Marcelo Gross esteve no Recife para apresentação em formato power trio (Divulgação)
Em uma noite fria e chuvosa, o Recife parece ter vestido um terninho mod e um cachecol preto para receber o guitarrista gaúcho Marcelo Gross. “Os caras parecem gringos”, disse um fã pernambucano enquanto aguardava o início do show realizado no último sábado (28), no Downtown Espinheiro, na Zona Norte. Em formato de power trio, Gross veio à cidade acompanhado pelo baterista Júlio Sasquatt, uma espécie de Keith Moon tropical (e canhoto), e pelo baixista argentino Andy Pugliese, com o objetivo de divulgar seu primeiro disco ao vivo, o “Grossroads”, lançado no ano passado como marco de seus 50 anos de idade.
“A gente aqui vai fazer rock e vira baião. Mas rock mesmo, como os gringos fazem, é com esses caras”, comenta o cantor pernambucano Tagore, antes de subir ao palco para uma interpretação empolgante de Sinceramente. A canção é um dos hits da Cachorro Grande, antiga banda de Gross, escolhidas para compor o show.
A apresentação ultrapassa, em muito, as dez canções selecionadas para o álbum - gravado, no ano passado, no Teatro de Câmara Túlio Piva, em Porto Alegre. Para o deleite dos roqueiros, Gross e Pugliese começam a festa com “o charme e o groove” dos timbres clássicos da família Rickenbacker, presentes no baixo 4003 e na guitarra 330, facilmente confundível com a 325 imortalizada por John Lennon no início da carreira dos Beatles.
“Questão de honra”, brinca Gross sobre a escolha do set. O repertório inclui canções da carreira solo, como Alô Liguei e E o Vento Levou, além de homenagens a outras referências, como Júpiter Maçã, ícone do rock gaúcho que proporcionou a primeira vinda do artista ao Recife, em 1998.
“Eu era baterista do Júpiter e a gente veio tocar no Abril pro Rock, quando fomos apresentados à cultura do Recife. A gente tinha acabado de perder o grande Chico Science e a cidade ficou de luto. Trocamos as passagens e passamos a semana seguinte na cidade, tocando na Soparia de Roger”, lembra.
Fã de Luiz Gonzaga, Alceu Valença e Ave Sangria, Gross confessa que vem de uma geração do rock gaúcho que absorveu os valores brasileiros mais na poética do que na estética musical. “O que a gente fala nas letras é o que vive no Brasil, como em ‘Bom brasileiro’ [Cachorro Grande]. A gente tem bastante influência do cinema brasileiro dos anos 1970, feito por pessoas como Paulo César Pereio, Cacá Diegues e Hugo Carvana”, destaca.
O rock argentino também dá as caras no novo show. “Sou muito fã de Gustavo Cerati e resolvi fazer uma versão em português de uma música dele, para que o público que curte meu trabalho também possa conhecê-lo”, acrescenta.
“O rock não vai morrer”
Os Beatles também são lembrados em interpretações derretidas de Taxman e Tomorrow Never Knows, para as quais Gross resolve brandir a recém-adquirida telecaster Dragon, imortalizada por Jimmy Page nos seminais Yardbirds.
“Fiz um rolo com o Orlando”, brinca Gross, ao explicar a origem do instrumento a uma repórter comovida. Orlando, conta ele, é Orlando Neto, guitarrista da banda pernambucana Shakermakers, cover do Oasis, que ciceroneou o trio e articulou a vinda do show ao Recife. Dele, Gross também levou uma camisa do Náutico e boas memórias da Praia dos Carneiros, no Litoral Sul.
“Ele nos proporcionou um banho de mangue, tomar banho de argila. Foi uma experiência sensorial. Ainda não tinha tido a oportunidade de curtir aquela biodiversidade absurda”, relata Gross.
Parcerias do tipo têm sido essenciais para a circulação de artistas do rock nacional atualmente. “O rock é cíclico, vai e vem. Hoje as condições são tão difíceis como eram quando a gente começou, nos anos 1990”, comenta. Ele cita o monopólio do gênero dito sertanejo. “Fica difícil para o rock competir com a grana do agronegócio, porém o rock não vai morrer”, continua.
Soprar (muitas) velinhas
Nada de crise dos 50. Para o artista, o revisionismo de “Grossroads” está mais para uma oportunidade de celebrar a própria trajetória artística, que o transformou em um dos guitarristas mais respeitados do país. “Quantas vezes já morri? Fiz tanta besteira na vida e consegui chegar aos 50…Ninguém vai celebrar por mim”, afirma.
O nome do disco é um trocadilho com “crossroads”, encruzilhadas, em inglês. “É um jeito de olhar para o retrovisor, mas também para os lados e para a frente. Também lancei um livro com 100 letras de músicas minhas, com prefácio do Paulo Miklos”, acrescenta.
As comemorações incluem ainda o lançamento do filme “Essência Interior” (parceria com Roberto Panarotto), uma espécie de diário de bordo das aventuras vividas por Gross ao lado de Júpiter Maçã nos anos 1990. “Eu tinha uma pilha de VHS, que eu carregava para as viagens e shows. Resolvi fazer um filme e botei esse material na mão do Roberto Panarotto”, explica.
Lançado em 2025, o filme estreou em São Paulo e Porto Alegre. “Vou ver se consigo passar no Recife, por enquanto está no streaming. Tô bem feliz”, completa. A desculpa mais próxima para voltar a Pernambuco, contudo, pode ser o retorno da turnê “Grossroads”. “Já meti uma pilha no Orlando. A gente quer muito voltar. Isso foi só uma preparação”, conclui.

